Imigração Lusófona no Luxemburgo

Suplemento publicado a 17 de Março de 2010
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Imigração Lusófona no Luxemburgo

A razão pela qual decidimos preparar este suplemento dedicado à imigração lusófona no Luxemburgo explica-se por estes representarem já cerca de um quarto da população total do país. Afirmá-lo é uma coisa, demonstrá-lo é outra. Foi por isso que fomos investigar e apurar o que já sabíamos pelo conhecimento empírico do terreno e da comunidade lusófona no Grão-Ducado.

Contas feitas, o número de lusofalantes no Luxemburgo ultrapassa facilmente as 120 mil pessoas, o que representa cerca de um quarto da população total (cerca de 500 mil habitantes).

Ao mesmo tempo, quisemos com este suplemento apresentar um trabalho que - a nosso conhecimento -  ainda não tinha sido levado a cabo e merecia ser feito: a apresentação das várias comunidades lusófonas do Luxemburgo e os principais problemas que as afectam.

Uma última palavra ainda para acrescentar que temos conhecimento que também residem no Grão-Ducado cidadãos de São Tomé e Príncipe e de Moçambique. Não foram esquecidos. Mas visto o seu número reduzido e por razões de espaço, adiámos para mais tarde a apresentação dessas comunidades.

José Luís Correia
Chefe de Redacção
17/03/2010
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Os portugueses no Luxemburgo,
história e memória...

por António de Vasconcelos Nogueira


António de Vasconcelos Nogueira*
Os Portugueses representam, hoje, a maior comunidade de estrangeiros residentes no Grão-Ducado.

Desde logo, falamos de Portugueses, não apenas de imigrantes portugueses, nem de comunidades portuguesas, por que os imigrantes portugueses fazem a sua entrada na história do Grão-Ducado somente a partir dos anos 1960; enquanto a existência de comunidades portuguesas é posterior a 1986, ano em que Portugal e Espanha aderem à CEE e para aqui se deslocam os primeiros funcionários portugueses das instituições europeias, com as suas famílias.

Quatro anos (2006-2010) tomaram esta investigação, cujos resultados apresentamos, em síntese. Para mais desenvolvimentos, convidamos o público leitor a assistir à conferência "Os Portugueses no Luxemburgo: história e memória - da Idade Moderna à Idade Contemporânea", promovida pelo CONTACTO, e que tem lugar este sábado, 20 de Março, às 15h30, no hall 1 da Luxexpo, em Kirchberg, no âmbito das festividades do 40° aniversário do jornal e integrado no 27° Festival das Migrações.

PORTUGAL E LUXEMBURGO SOB A MESMA COROA

(1) Falamos de Grão-Ducado do Luxemburgo somente a partir de 1815, ano em que se realizou o Congresso de Viena e se configurou uma nova ordem geopolítica na Europa. Outra referência importante: os anos 1830, ano da formação e independência do Reino Belga, o ano 1839, separação do Grão-Ducado do Luxemburgo do Reino Belga, com o reconhecimento das suas actuais fronteiras e população, pelos tratados de Londres (1839 e 1867). Anteriormente a estas datas, existe o Ducado do Luxemburgo, governado por diferentes casas dinásticas europeias, entre as quais a dos Habsburgos espanhóis, de Carlos V aos Filipes, reis de Espanha e de Portugal, durante o período da União Ibérica (1580-1640), que governam os chamados Países Baixos espanhóis, incluindo o Ducado do Luxemburgo.

PORTUGUESES NO DUCADO... EM 1546!

Esta perspectiva leva-nos a reflectir sobre (2) a presença de Portugueses no Luxemburgo. Um episódio histórico fala-nos de um incidente com mercadores e banqueiros judeus portugueses, provenientes de Antuérpia, na fronteira do Ducado do Luxemburgo, em 1546. O seu destino seria Colónia, na Alemanha. Estariam, portanto, em trânsito, visto que o imperador Carlos V, casado com D. Isabel de Portugal, Duque do Luxemburgo, pai e avô dos nossos reis Filipes, de Espanha e Portugal, interditou a permanência nos seus domínios de mercadores e banqueiros protestantes, mas condescendeu no livre-trânsito aos Portugueses, ainda que suspeitos de judaizarem, exercendo sobre eles medidas de controlo e tributação fiscal, para financiar a sua Corte e as campanhas militares em todo o seu Império.

Maria Ana de Bragança,
infanta de Portugal e regente do Luxemburgo
entre 1908 e 1912

Portanto, existe uma presença portuguesa nos Países Baixos, em meados de 1550, que é muito anterior ao fenómeno imigratório português dos anos 1960. Trata-se de uma elite de portugueses relacionados com a banca e o comércio das especiarias. Estabelecem uma rede global de trocas, através das suas empresas de tipo familiar e dos entrepostos ou principais praças financeiras, para a época. São mercadores e banqueiros judeus portugueses. Dão início à diáspora dos tempos modernos, não propriamente à imigração. São perseguidos por motivos religiosos e económicos. Pelo seu reduzido número, pelo seu estatuto e papel socioeconómico, distinguem-se da figura do imigrante português contemporâneo. São também os primeiros que por estas paragens circulam e exercem actividades.

Há representantes da nossa casa dinástica, os Habsburgos espanhóis, casados com princesas portuguesas, com descendência – os nossos reis Filipes, na governação dos Países Baixos, incluindo, o Ducado do Luxemburgo. Deste período histórico restam-nos vestígios na arquitectura do burgo, nas suas muralhas, com baluartes e guaritas [em lux.: "Spueneschen Tiermchen"], e nos seus principais palácios. Quanto aos nomes, apenas Spanier [espanhol] surge associado a alguns apelidos de família luxemburguesa.

LUXEMBURGUESES NO BRASIL: SÉC. XVII E XVIII

Outro momento histórico (3) diz respeito à parceria do Padre Jean Philipe Bettendorff (1625-98), autor da "Crónica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão" (ed. póstuma, 1910), com o Padre António Vieira (1608-97), ambos da Companhia de Jesus, nas missões da Amazónia, no período do Brasil colonial português.

Ainda, (4) a emigração de camponeses luxemburgueses, cerca de cinco mil pessoas, nos anos 1764 e 1786, para a colonização do Banat, província do Império Austro-Húngaro, envolvendo a mediação do Padre Antoine Vernel OFM, recolecto do Convento de Virton, em 1754, junto do Conde Sylva-Tarouca, aliás, Manuel Teles da Silva, diplomata português em Viena de Áustria, prestando serviço na chancelaria dos Habsburgos austríacos. Os colonos luxemburgueses estabeleceram-se em Triebswetter [actual Nagyosz, na Hungria] e em Temeswar [Timisoara, na actual Roménia]. Outros camponeses luxemburgueses terão sido levados para as colónias francesas na Louisiana, nos EUA, para Pondichéry, no Golfo de Bengala, na Índia francesa, para a Prússia, no reinado de Frederico II (1712-81), e para o Império Russo, no reinado da czarina Catarina II (1729-96).

(5) A emigração de camponeses e artesãos luxemburgueses decorre durante todo o séc. XIX e a primeira metade do séc. XX, coincidente com a industrialização e a imigração de Alemães e Italianos para o Grão-Ducado. Faz-se com destino às Américas, para países e mercados onde a presença imigratória portuguesa também acontece, por ex., no Brasil, nos anos 1820-1940; nos EUA, pradarias do Midwest, anos 1830-1940; na Argentina, nos anos 1850-1900. Outros destinos da emigração luxemburguesa, no séc. XIX, são a região de Paris, da Lorena e de Bruxelas. Regiões estas que um século depois atraem também imigrantes portugueses.

COROA LUXEMBURGUESA E SANGUE PORTUGUÊS

(6) De permeio, temos dois períodos históricos contemporâneos da maior importância: os anos 1920, depois da I Guerra Mundial (1914-18); os anos 1930 e 1940, caracterizados pela Guerra Civil de Espanha (1936-39) e a II Guerra Mundial (1939-45). O Grão-Ducado é ocupado militarmente pelas tropas do II e do III Reich. Nos anos 1920, a casa grão-ducal reinante é a dos Nassau-Weiburg-Bragança, na pessoa de Maria Ana de Bragança (1861-1942), regente de 1908-12; das suas filhas, Maria Adelaide de Bragança (1894-1924), grã-duquesa de 1912-19, e Carlota de Bragança (1899-1985), grã-duquesa de 1919-64. Nos anos 1940, a grã-duquesa Carlota é forçada ao exílio, com a sua família, alguns membros do seu Governo, e centenas de Luxemburgueses de confissão mosaica, ou seja, judeus. Aristides de Sousa Mendes (1885-1954), à revelia das instruções do MNE e da PVDE, sob Governo de António de Oliveira Salazar (1899-1970), emite-lhes vistos de trânsito, salvando mais de 30 mil pessoas da deportação e morte. A grã-duquesa Carlota consegue entrar em Portugal em 1943, de onde partiu para o exílio, nos EUA e Canadá, antes de regressar a Inglaterra, nesse mesmo ano, e ao Grão-Ducado, depois da libertação militar, em 1944.

DEPOIS DE 1960

(7) A imigração portuguesa para o Grão-Ducado faz-se, ‘a salto’, nos anos 1960, no contexto da emigração clandestina para França. Apresenta características específicas, que temos vindo a analisar nesta rubrica do CONTACTO. Ocupa-se nas obras, nas limpezas e nos serviços HORECA. Segundo dados do STATEC para 2008, excede as 80 mil pessoas.

Os imigrantes portugueses constituem outro elo na cadeia descontínua de pedreiros que construíram o Luxemburgo, no seguimento dos pedreiros, artífices, mercadores e banqueiros italianos das regiões dos Alpes, de Sabóia, do Tirol e de Grisões, que imigraram para o Luxemburgo durante o séc. XVII, e dos camponeses italianos do Piemonte, Friuli e Abruzzi, nos anos 1870 a 1950, tornando-se mineiros e operários fabris, pedreiros, nos estaleiros de obras, com quem muitos dos imigrantes portugueses da primeira geração aprenderam o falar e a arte.

Conclusão. Os Luxemburgueses, que desde os anos 1870, com a industrialização e as minas, e a seguir à crise da OPEP, em meados dos anos 1970, que está na origem da economia de serviços (banca, finanças, bolsa, seguros), acolhem os seus imigrantes e outros estrangeiros, por motivos económicos e demográficos, também conheceram ao longo de gerações o fenómeno da emigração através dos portos fluviais no Mosela, de Bremen e de Antuérpia, e encontraram na emigração respostas para a sua situação de pobreza, contribuindo, a seu modo e em número, para a economia das Nações. Conheceram, também, o exílio e buscaram refúgio em Portugal. Afinal, por outros caminhos, marcamos encontro com a História, o mesmo é dizer, connosco.

* O autor tem um doutoramento em Filosofia e um pós-doutoramento em História Económica pela Universidade de Aveiro; é especializado na vertente de Estudos Judaicos, diáspora e migração portuguesa.

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Entrevista com Michel Pauly, professor de História na Universidade do Luxemburgo

"A PIDE também estava no Luxemburgo"

Sobre a imigração portuguesa no Luxemburgo conversámos com o historiador Michel Pauly, da Universidade do Luxemburgo, que tem como tema de investigação predilecto a história dos fenómenos migratórios.

Michel Pauly,  historiador (Foto: Guy Jallay)
Michel Pauly é especialista em estudos medievais. Nascido no Luxemburgo em 1952 é doutorado pela Universidade de Trier e tem como um dos temas de investigação predilectos a história dos fenómenos migratórios sendo também colaborador, desde a sua fundação, da Associação de Apoio aos Trabalhadores Imigrantes (ASTI). Em 2006 obteve a nomeação como professor de História Transnacional na Universidade do Luxemburgo. História transnacional perguntará o leitor? Segundo Pauly historiador transnacional porque “é impossível compreender a realidade histórica do Luxemburgo sem compreender a realidade do que nos rodeia e designadamente os movimentos migratórios entre os países, a partir do momento em que há países com fronteiras definidas, mas também antes disso.”

Com a imigração portuguesa para o Luxemburgo a caminho do meio século quisemos saber como um dos historiadores do país vê este processo ainda em mutação. A comparação entre as duas vagas de imigração – italiana e portuguesa – foi omnipresente durante toda a entrevista. Começámos pelo princípio.

CONTACTO: Porque é que nenhum historiador luxemburguês se debruçou sobre o quase meio século de história de imigração portuguesa no Grão-Ducado?


Michel Pauly: Há muitos estudos, por exemplo, da imigração italiana, mas sinceramente não conheço um único que retrate a imigração portuguesa. Em boa verdade parte da investigação existente foi desenvolvida pela própria comunidade italiana o que suscitou posteriormente o interesse de historiadores ou investigadores pela questão, fruto das matérias e dados factuais já compilados por outros.

A imigração italiana tem cerca de 120 anos, a portuguesa menos de metade…

Talvez no caso português essa primeira parte do trabalho ainda tenha de ser feita no futuro. Não tenho duvidas que entre as famílias que chegaram ao Luxemburgo na década de 1960/1970 existem documentos de incontornável valor histórico como, por exemplo, contratos ou fotografias, que se podem perder definitivamente se não forem recolhidos e catalogados para depois poderem ser estudados com valor histórico.

CONT.: Mas porque razão é que isso ainda não foi feito?


M.P.: Tenho muita vontade de apoiar, no âmbito da minha actividade de direcção de teses, uma tese de doutoramento sobre o fenómeno migratório português, fascinante do ponto de vista histórico, mas a verdade é que até hoje não encontrei nenhum candidato. Já orientei, por exemplo, um artigo científico sob o tema “Acolhimento e integração dos imigrantes italianos na década de 1940 e 50” e teria todo o gosto em participar em algo semelhante sobre a imigração portuguesa.

CONT: Faz falta um museu dos fenómenos migratórios (imigração e emigração) no Luxemburgo?


M.P.: Essas decisões são políticas. Agora, com sinceridade penso que isso pouco acrescentaria. Hoje temos museus de tudo e mais alguma coisa: da cerveja, do chocolate, dispersa-se o conteúdo, criam-se museus muito específicos que depois não atraem mais do que alguns especialistas. A investigação vertida em livros é o melhor caminho para deixar para as gerações vindouras a história dos povos.

Por outro lado, o Luxemburgo já conta com o Centro de Documentação da Migração Humana (CDMH), localizado em Dudelange, que realiza pesquisas e organiza exposições da história da migração, incluindo as relativas ao Luxemburgo e suas regiões vizinhas. Claro que não é um museu, no formato clássico, recheado de objectos, mas tem uma biblioteca e um centro de documentação, embora não me recorde se a imigração portuguesa foi aí alguma vez tratada de forma especifica.

CONT.: Tenho de insistir, o que faz falta para iniciar esse processo?


M.P.: A iniciativa tem de ser da própria comunidade. Talvez porque é mais antiga e porque havia alguns elementos ligados ao clero, muito activos nessa aérea, a comunidade italiana deu um bom exemplo. A investigação não tem de ser feita só por especialistas, muitos estudos são feitos por pessoas comuns. Os livros de fotografias históricas são um bom exemplo.

CONT.: De que forma explica o início da imigração portuguesa para o Luxemburgo?


M.P.: Desde 1970, data dos primeiros acordos entre o Grão-Ducado e Portugal, que a imigração portuguesa se legalizou. Mas o fenómeno é mais antigo. Há duas hipóteses que considero plausíveis, mais a primeira, mas ambas não demonstradas.

Os portugueses que já na altura trabalhavam na Lorena, tendo constatado que as condições remuneratórias no Luxemburgo eram melhores, começaram a atravessar a fronteira e a instalar-se no Grão-Ducado. A segunda hipótese, que me chegou por via oral, é a de que alguns empresários da construção, que adquiriam mármore para a construção em Portugal, tivessem começado a contratar também alguns trabalhadores durante essas aquisições. Esta hipótese, embora com disse não demonstrada, tem a seu favor o facto de à época Portugal não ser membro da, na altura, CEE (Comunidade Económica Europeia) e isso obrigar a que os trabalhadores entrados no país o fizessem obrigatoriamente ao abrigo de um convite de um empregador. Agora todos sabemos que uma coisa são os factos jurídicos e outra são os factos sociais, por vezes, diferentes da realidade jurídica.

CONT.: A combinação das duas hipóteses é verosímil?


M.P.: Nada exclui que o fenómeno migratório tenha tido variadas origens e que as duas hipóteses pudessem ser cientificamente validadas. O início da imigração portuguesa para o Luxemburgo foi muito difícil mas, ao contrário da italiana, havia de início o direito de reagrupamento familiar. Por isso, enquanto os italianos, em grande maioria homens, embora muitas vezes não celibatários, viviam sozinhos, os portugueses, também fruto do acordo assinado em 1970, procuraram rapidamente o reagrupamento familiar. Talvez tenha sido por isso que ao contrário da vaga italiana, que se fixou maioritariamente nas duas maiores cidades do país (Luxemburgo e Esch-sur-Alzette), a imigração portuguesa depressa se espalhou por todo o país, de norte a sul, motivada talvez pela necessidade de encontrar habitações mais espaçosas a preços ainda assim comportáveis.

CONT.: Quais eram as motivações para quem saía de Portugal?


M.P.: Penso que entre os motivos da imigração portuguesa estiveram certamente a ditadura, o atraso económico, mas também a fuga ao serviço militar. Sabe que a PIDE (n.d.R.: Polícia Internacional e de Defesa do Estado) também estava no Luxemburgo? Tentavam, claro, controlar o fenómeno dos que fugiam para o Luxemburgo para evitar o recrutamento para a guerra colonial. Mas embora Portugal vivesse um regime ditatorial não há registos de imigrantes que tivessem pedido ou obtido o estatuto de refugiados políticos.

CONT.: Chegavam também cidadãos de outros países?


M.P.: Nessa época, a Tunísia também demonstrou interesse em enviar trabalhadores para o Grão-Ducado, mas a questão religiosa acabou por afectar essa possibilidade que nunca se chegou a concretizar. Quando começaram a chegar alguns cidadãos portugueses de origem cabo-verdiana – Cabo Verde era ainda uma colónia portuguesa – constatou-se que havia portugueses que eram negros e à data o governo luxemburguês admitiu que preferia, por questões de integração, o envio de caucasianos algo que o governo de Salazar nunca aceitou. Ao mesmo tempo, foi assinado com a ex-Jugoslávia um acordo, mas aí também sem incluir o direito de reagrupamento familiar.

CONT.: Voltemos aos italianos. A que se deveu a diminuição da sua imigração para o Luxemburgo?


M.P.: Fruto do desenvolvimento das cidades de norte de Itália, como Turim ou Milão, designadamente na indústria automóvel, os italianos deixaram de afluir ao Luxemburgo em números tão elevados. Foi exactamente nesse momento que o Luxemburgo, que necessitava de mão-de-obra, deixou que se iniciasse a imigração portuguesa [numa escala mais larga].

CONT.: Foram publicados, no Luxemburgo, livros sobre o tema da imigração em geral?


M.P.: A ASTI patrocinou “O Luxemburgo para os Luxemburgueses? O Luxemburgo face à emigração” e para breve está previsto um novo livro, também patrocinado pela ASTI, com textos em alemão, francês e inglês sobre o fenómeno migratório no Luxemburgo. Um dos artigos, escrito por uma autora portuguesa, toca a questão dos portugueses que, terminada a vida activa, ao invés de regressarem ao país de origem, preferem viver a sua reforma no Grão-Ducado.

CONT.: Segundo o Statec, num estudo da imigração para o Luxemburgo entre 1957 e 1988, vê-se que os primeiros 1.793 portugueses chegaram ao país em 1969, ora de acordo com uma edição do CONTACTO de Dezembro de 1972, é aí referido que um operário português da empresa luxemburguesa "Schriver" recebeu um relógio de ouro por 10 anos de trabalho; e a primeira celebração do 10 de Junho juntou cerca de 300 portugueses no Luxemburgo em 1965. Em que ficamos?


M.P.: Parece claro, que o fenómeno migratório português no Luxemburgo tem origem no início dos anos 60 e não apenas no final da mesma década. Os acordos são assinados em 1970 mas, como disse, os factos sociais são, por vezes, diferentes da realidade jurídica. Os movimentos migratórios são difíceis de estudar exactamente pelo seu carácter dinâmico.

Neste momento, está em curso uma nova vaga de imigração portuguesa, iniciada, mais ou menos, no início deste século, mas de características ligeiramente diferentes. Agora, os empregos ocupados já não são exclusivamente os mais duros, mas também posições intermédias e até de liderança nas empresas. Depois existe também na comunidade portuguesa a imigração associada ás instituições europeias, embora esses cidadãos, não só os portugueses como os de outras nacionalidades, vivam numa espécie de limbo virtual, sem realmente se tornarem cidadãos luxemburgueses, mas considerando-se eles mesmos cidadãos europeus de carácter internacional.

Francisco d’Oliveira


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Rogério Oliveira, da Associação Cultural da Bairrada no Luxemburgo

"O Luxemburgo
já não precisa de trabalhadores"

Os portugueses chegaram ao Luxemburgo nos anos 60, mas uma das constantes da comunidade é o seu número que cresce em permanência. O CONTACTO falou com três dirigentes associativos - Rogério Oliveira (Associação Cultural da Bairrada no Luxemburgo), Guy Reger (Amizade Portugal-Luxemburgo) e José António Coimbra de Matos (Confederação da Comunidade Portuguesa no Luxemburgo) - sobre a nova vaga de imigração e os problemas actuais da comunidade.

"Há cada vez mais emigração e isso vem-se tornando um problema", diz Rogério Oliveira, que preside à Associação Cultural da Bairrada no Luxemburgo (ACBL), com sede em Strassen.

Rogério Oliveira
"Nos últimos cinco anos, têm chegado muitos portugueses ao Luxemburgo; mas o país já não tem necessidade de trabalhadores, como era o caso nos anos 70".

Uma vez que deixaram Portugal, os portugueses "têm dificuldade em voltar", considera Rogério Oliveira. E não é apenas por falta de alternativas em Portugal. É, muitas vezes, pelo medo de assumir que a experiência de emigração não correu bem. Em certos casos, é "pela vergonha do contraste com épocas de vacas mais gordas, quando se voltava nas férias ostentando, podendo ou não, carro de luxo e carteira recheada". O resultado dessas atitudes é que "há quem continue a deixar Portugal com expectativas irrealistas, porque os portugueses gostam de se armar, em vez de dizer a verdade".

"As autoridades em Portugal, por seu lado, não parecem conseguir clarificar a situação e evitar que os portugueses venham ao engano, pensando que a situação está melhor do que está. Efectivamente, não vai haver trabalho para todos; e a primeira necessidade para a integração é obter um emprego...", lamenta Rogério.

A comunidade portuguesa há muito que sente dificuldades em promover a integração e o apoio aos que já cá estão, "mesmo se se foram formando muitas associações, nunca se conseguiu criar um centro social, para um primeiro acolhimento e para apoio dos mais desafortunados".

No início da década de 1990, um empresário português do ramo da distribuição "chegou a alugar um espaço na rue de Hollerich, na capital, pensando-se que ali se poderiam acolher o Instituto Camões, uma livraria, uma creche, um restaurante, um conjunto de serviços de e para portugueses" mas o projecto acabou por não se concretizar. Mesmo a Embaixada, "para um número tão grande de portugueses, tem apenas um funcionário a trabalhar na área social…longe vão os tempos em que os portugueses organizavam festas no edifício Pôle Nord", ponto de encontro dos habitantes da capital luxemburguesa, na avenue Marie Thérèse, durante mais de um século; demolido há cinco anos, é hoje local da sede de um banco internacional.

As primeiras ideias sobre como coordenar o associativismo português no Luxemburgo nasceram do reconhecimento daquela proliferação de grupos. "Não havia semana que não nascesse mais um clube de futebol e, com cada qual a criar a sua capelinha, tudo se complica… todos começam a pintar o moliceiro mas ninguém o acaba", diz Rogério. Nestas condições, "mesmo os portugueses de gravata, que falam com os ministros, não os conseguem convencer a apoiar as associações portuguesas em pé de igualdade com as restantes", opina Rogério.

"O ano de 2010 pode trazer novidades nesta área porque está em preparação uma nova lei que obrigará as associações sem fins lucrativos a ter contabilidade mais organizada e transparente", avisa (ler artigo na pág. 7 desta edição). O que vai afectar muitos pequenos grupos portugueses que se registaram como asbl (association sans but lucratif, associação sem fins lucrativos) - e por isso pagam menos impostos - mas que, "para além de gerir um café, não têm actividade associativa de relevo", alerta o dirigente.

As associações portuguesas beneficiariam se fizessem prova de maior abertura porque a integração deve ser "uma actividade com dois sentidos". E Rogério dá o exemplo, é membro activo e conhecido da sua comunidade, participa em várias associações luxemburguesas e já foi diversas vezes candidato político local. Mas "os luxemburgueses", lamenta", raramente participam nas actividades das associações portuguesas, por mais que os convidemos".

A língua, enquanto obstáculo à integração pensa ser "uma desculpa gasta: se fosse o caso de todos falarmos a mesma língua, inventavam outro mecanismo de defesa qualquer". Os luxemburgueses "são poucos e cada vez menos e, afinal, apenas uma percentagem minoritária da população activa fala luxemburguês: dois terços são francófonos!". Realisticamente, o luxemburguês "não é a língua necessária para integrar o mercado de trabalho [excepção feita à Função Pública]: alguém se lembraria de exigir a um funcionáriao bancário que fale luxemburguês?", lança. Como os portugueses não têm, muitas vezes, as mesmas qualificações que os quadros bancários, "têm de se submeter ao que lhes dão; e, mesmo assim, o dinheiro nem sempre chega ao fim do mês". Restam os biscates: "o trabalho a negro é como a mais antiga profissão do mundo". Alterar este quadro terá que passar pela educação, diz Rogério, pelo que importa continuar a alertar os pais "que, lá porque têm muito trabalho ou por outras razões, deviam apoiar mais os filhos nos estudos". Com maiores ou menores dificuldades, os portugueses conseguem aprender (em) alemão na Alemanha, (em) francês na França, (em) inglês nos EUA, (em) espanhol na Venezuela. Por isso, "não se justifica que não consigam ter sucesso no sistema educativo luxemburguês". O problema começa, diz Rogério, nas próprias autoridades: "Há responsáveis que acreditam que, como os emigrantes têm poucas qualificações, não se pode esperar que os filhos sejam diferentes. Como se a educação fosse uma questão de genética e não de escola!".

A realidade é que o sistema de ensino não está adaptado à demografia real ou ao mercado de trabalho do país e impõe o alemão que quase não é usado no quotidiano: "Os próprios luxemburgueses de meios menos favorecidos acabam por sair da escola a saber falar mal o francês… no final, todos se queixam", aponta. "Porque não usar o francês como primeira língua na escola? Iria melhorar o desempenho de todos, sem prejudicar o mercado de trabalho". Rogério pensa que assim se poderia melhorar a vida de todos, no país que considera a sua "segunda pátria". "Comecei do nada e foram luxemburgueses quem me ajudou quando cheguei; foi este país que me proporcionou uma vida melhor".

Artur Novais Furtado
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Entrevista com Guy Reger da Amizade Portugal-Luxemburgo

"Tudo é possível aos portugueses. Teoricamente."

Guy Reger (Foto: Serge Walbillig)
Os portugueses podem hoje ter sucesso em qualquer área da vida profissional e política do Luxemburgo: "tudo lhes é possível. Teoricamente", afirma Guy Reger, presidente da Amizade Portugal-Luxemburgo (APL). Mas, acrescenta, a verdade é que "há ainda preconceitos sobre as suas capacidades, nomeadamente a de percorrer com sucesso o sistema escolar" e de provar que podem ser outra coisa "para além de trabalhador das obras ou empregada doméstica...".

Nas instalações que o arcebispado do Luxemburgo cede à Associação de Amizade Portugal-Luxemburgo (APL), Guy Reger, seu presidente e conhecedor de Portugal e dos portugueses, falou com o CONTACTO sobre integração e associativismo.

"Os portugueses podem hoje ter sucesso em qualquer área da vida profissional e política do Luxemburgo mas têm um problema de imagem e a própria APL debate-se com o ser considerada a associação de apoio aos portugueses, ao invés de uma instituição em que há igualdade, partilha e benefício mútuo entre luxemburgueses e portugueses, como o nome e estatutos querem indicar", diz Guy Reger.

A empregabilidade e educação são os maiores problemas que afectam a comunidade portuguesa: "o desemprego entre os portugueses é superior à média e há entre eles grande falta de qualificações formais", explica. Hoje, a economia luxemburguesa é "uma economia de serviços, e a oferta de empregos na camionagem ou construção reduz-se cada vez mais; para além disso, os países de Leste e da ex-Jugoslávia podem fornecer trabalhadores com maior formação de base". São sinais de alerta para os portugueses e, sobretudo, para os filhos dos portugueses, "aqueles que já deveriam há muito ter procurado mais formação", acrescenta.

O trabalho ilegal não é, tão pouco, solução. A exploração dos portugueses pelos portugueses, como acontece demasiadas vezes com os "cafés" [oferta de trabalho e alojamento em condições ilegais] é "um triste reflexo da natureza humana", que ganha livre rédea quando há clandestinidade ("o 'trabalho ao negro' deve abranger pelo menos 10 000 pessoas, entre restauração, jardinagem e agricultura"). "Os portugueses exploram os portugueses, tal como os ex-jugoslavos exploram os ex-jugoslavos; são normalmente os próprios compatriotas quem melhor conhece os membros mais frágeis da comunidade, e melhor sabem como os explorar".

No que toca à integração, nota que "a construção e defesa da nacionalidade luxemburguesa tem estado muito centrada na apologia da língua". O que se traduz, "perversamente, por uma elevação do risco de isolamento, de acantonamento dos próprios luxemburgueses". Os políticos do Grão-Ducado "têm-se mostrado mais e mais paladinos da língua, por obrigações eleitorais; mesmo se, na prática, não se vive num país com exclusividade linguística" [excepção feita do acesso aos empregos na função pública].

A administração está, aliás, raramente preparada para responder a solicitações em português e, "em certas áreas, isso poderia ser importante, como na ADEM" [administração do desemprego]. Também haverá portugueses nos serviços que optam por "esconder que sabem a língua, para evitar lidar com ou ser associados aos problemas dos seus conterrâneos...".

Neste particular, a APL vem promovendo a ideia de que "a construção da identidade nacional passa pela integração e a integração deve ser um encontro mútuo e não uma assimilação". As "duas comunidades, portugueses e luxemburgueses, têm estado demasiado imóveis... é preciso mais acção". O associativismo português no Luxemburgo deve hoje focar-se na "participação na vida cultural de todas as comunidades, sem se acantonar na portuguesa", disse. Fazer o oposto, que tem sido "a opção tradicional, é um grande risco: pode criar-se uma mascarada, um folclore, e não um verdadeiro caminho de integração". Para muitas pessoas, "especialmente da primeira geração de emigrantes, esta lógica de abertura nem sempre é bem recebida".

As associações foram criadas pelos emigrantes que foram chegando ao país a partir dos anos 60 e têm estado essencialmente direccionadas para a gestão da ligação à terra natal: "preocuparam-se com as festas populares e com a abertura de um café ou bar, consequência dos limites do seu financiamento" mas também causa do afunilar e "limitar dos seus horizontes". O associativismo ainda hoje se centra na resolução de "problemas pontuais ou em capelinhas individuais, sem ter verdadeira capacidade de intervenção profissional ou de diálogo com as contrapartes luxemburguesas e portuguesas".

Em certos casos, parecem ter surgido querelas entre associações, "como entre a CCPL (Confederação da Comunidade Portuguesa no Luxemburgo) e o CASA (Centro de Apoio Associativo e Social), cuja origem e razões se perderam já no tempo". [Logo em Outubro de 1968, na primeira edição de "A Voz do Emigrante" (antecedente do Contacto), se considerou importante colocar por escrito que a finalidade do jornal "não será, logicamente, servir os interesses particulares deste ou daquele, ou a defesa desta ou daquela facção, mas simplesmente um meio posto à disposição de todos e para o bem comum"].

Os políticos também não estão isentos de responsabilidades. A participação da Embaixada em actividades cívicas e políticas do Luxemburgo, como convidada ou de sua iniciativa, "tem sido inconsistente, demasiado dependente de pessoas e circunstâncias". O governo luxemburguês tem ("correctamente") orientado o seu apoio apenas para associações ou projectos que juntem várias comunidades residentes, "o que já chocou com as orientações das autoridades portuguesas", mais reticentes em usar recursos escassos em públicos que não apenas o seu.

Os projectos futuros da APL deverão dirigir-se para a população mais idosa, "uma actual lacuna", e para o projecto da Maison des Associations. Este procurará revitalizar a cooperação entre os representantes de várias comunidades residentes no Luxemburgo (juntando as associações espanholas, cabo-verdianas e portuguesas, a APL e a CCPL), algo que "ainda não se fez com verdadeiro sucesso".

Poderá ainda dar-se o caso da APL vir a mudar de nome: "a associação quer trabalhar para a integração e para tal há que reconhecer e trabalhar com os restantes 60% de emigrantes que não são de origem portuguesa".

Depois de 17 anos na APL, é com agrado que Guy Reger constata que é hoje "o seu membro mais velho" porque "felizmente a associação conta com muitos jovens capazes de realizar projectos válidos para benefício de todas as suas comunidades".

E deixa uma provocação: porque é que o CONTACTO não volta a incluir artigos em francês, para ajudar a construir essas pontes?". Porquoi pas?

Artur Novais Furtado

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Entrevista com José Coimbra de Matos, da CCPL

Miséria, exploração e engano
ainda afectam portugueses

José Coimbra de Matos (Foto: Paulo Lobo)
"Enquanto, no Luxemburgo, os portugueses continuarem apenas a ser mão-de-obra não qualificada, não poderão ganhar acesso a uma cidadania plena: não serão reconhecidos, nem se reconhecerão como cidadãos de primeira categoria, e não se sentirão nem verdadeiros portugueses, nem luxemburgueses", diz José Coimbra de Matos, presidente da Confederação da Comunidade Portuguesa no Luxemburgo (CCPL).

"Enquanto assim for, as autoridades luxemburguesas podem continuar a argumentar que os portugueses não cuidam de si mesmos", continua Coimbra de Matos. Até porque, "por detrás dos discursos oficiais sobre integração, que soam sempre bem, há muitas dificuldades no dia-a-dia, seja para aceder à dupla nacionalidade, seja para obter o reconhecimento de um diploma: o Luxemburgo é especialista em pequenos entraves administrativos".

Para o líder associativo que dirige a CCPL desde 1999, uma das áreas-chave para promover a qualificação e a cidadania é a educação e seria essencial que se melhorasse o sistema educativo, sobretudo a separação entre os liceus clássico e técnico.

"Aos 10 ou 11 anos é pedido a uma criança que decida que carreira vai escolher. É demasiado cedo, em especial se tivermos em conta que a questão linguística prejudica necessariamente os não nativos", considera Coimbra de Matos. Muitos professores luxemburgueses ainda pensam que "para a filha de uma mulher-a-dias, ser secretária num escritório já não é mau", insurge-se.

"Mesmo entre os portugueses, essa separação social está lá, somos uma sociedade muito clivada: basta lembrar como os funcionários das instituições europeias não querem ser confundidos com os emigrantes que são pedreiros...", lamenta.

São assim vários os factores que contribuem para que se reproduzam modelos, papéis e hierarquia sociais, impedindo a mobilidade social, desde a atitude dos professores até às conversas da família ao jantar: "Há pais, mesmo que uma minoria, que não 'empurram' suficientemente os filhos para estudar. É o que se passa em Portugal e é o que se vê aqui também".

Mas ressalva, não se pode culpar em demasia a geração que chegou ao Luxemburgo nos anos 60 e 70, afinal, "para a maioria, não foram precisos grandes estudos para melhorar significativamente a vida, comparando com o nível de partida; chegaram a chefes de equipa na construção civil, compraram casa e Mercedes, as mulheres podiam ir a Portugal nas férias e ser senhoras por um mês". O problema é que "hoje o mundo é diferente, nada disso vai funcionar para a geração dos filhos; estes não só precisam de mais educação como terão ainda de lutar contra a ideia tão generalizada de que os portugueses só são bons para assentar tijolo". "Felizmente, nada disto está escrito para sempre, nos genes ou no fado: tudo se pode mudar", nota em tom positivo.

Há dez anos que a CCPL procura obter junto do Ministério do Trabalho luxemburguês um acordo para que se avance com acções de formação profissional em português ou, pelo menos em francês, como "primeiro passo para atrair esta massa de trabalhadores desqualificados para a aprendizagem ao longo da vida: antes de começar a correr, é preciso aprender a andar", explica. Até porque, à medida que se forem agravando "os efeitos desta crise ou de uma qualquer outra no futuro, esses trabalhadores, depois de 20 ou 30 anos de trabalho, não vão ter outra solução que não seja entrar nos esquemas de apoio social. E, então, será para não mais sair".

É verdade que "hoje já não vemos a cama dos três turnos mas, à parte isso, a miséria, a exploração e o engano continuam: ver alguém em dificuldades, mais frágil, desperta infelizmente o pior de algumas pessoas". Nos cafés de portugueses, por exemplo, "uma morada, um endereço para burocracias, pode custar 250 euros por mês".

Quanto às associações portuguesas "nascidas do futebol e dos jogos da sueca", têm-se mantido muito desunidas. O associativismo, "quando é bem feito, é uma escola de democracia e de transparência; mas também há quem só pense em eternizar-se nos cargos", considera. O futuro deveria passar pelo estabelecimento de uma "estrutura comum, profissional, capaz de avançar com projectos de fundo que apoiem a construção da cidadania. Isto pode acontecer em torno da CCPL ou de qualquer outra organização. O importante é que funcione".

Artur Novais Furtado

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Maria Augusta Esteves, uma das pioneiras da emigração portuguesa no Luxemburgo

Portuguesa está no Luxemburgo desde 1955: "Agora, este é o meu país"

Maria Augusta Esteves (Photo Á. Cruz)
Pioneira da imigração lusitana no Grão-Ducado, Maria Augusta Esteves teve um começo de vida difícil. Chegou ao Luxemburgo a 2 de Maio de 1955. Casadinha de fresco, trocou São Martinho de Dume (freguesia de Braga) por Esch/Alzette, onde o marido trabalhava, na então Arbed. Teve cinco filhos e foi das primeiras portuguesas a pedir a nacionalidade luxemburguesa. Enviuvou e naturalizou-se. Confessa que nunca lhe passou pela cabeça voltar a Portugal, pois é no Luxemburgo que se sente bem.

Completou recentemente 83 anos e já está há mais de meio século no Luxemburgo. Viveu os dois primeiros anos em Esch-sur-Alzette e radicou-se em Tétange até aos dias de hoje.

"Eu e uma senhora Ramos, que vive em Esch, fomos as primeiras portuguesas, actualmente vivas, a chegar ao Luxemburgo", começou por revelar.

"Mas a minha história é meio complicada. O meu falecido marido já cá estava há muito tempo, ainda solteiro. Emigrou com o pai para França e depois veio para o Luxemburgo trabalhar. Aqui casou com uma luxemburguesa que depois faleceu. Entretanto escreveu ao irmão que era meu vizinho, em São Martinho do Dume, freguesia de Braga, a pedir que este lhe arranjasse uma mulher portuguesa", explica.

"E foi assim que conheci o meu marido. Ele foi a Braga, namorámos pouco tempo, casámos e viemos para o Luxemburgo" lembra.

Quando chegou, enfrentou uma realidade diferente da que conhecia em Portugal. De início, a vida foi difícil e a adaptação ao novo quotidiano também.

"Quando aqui cheguei, a 2 de Maio de 1955, vivi dois anos em Esch/Alzette antes de me mudar para Tétange. Os portugueses eram raros e o contacto com as outras pessoas praticamente nenhum. O meu marido (Joaquim Fernandes Duarte) trabalhava na Arbed. Tive de criar três filhos do primeiro casamento do meu marido e depois mais cinco meus, quatro raparigas e um rapaz", explica.

"Nos primeiros meses, quando ia às compras, tinha de apontar com o dedo às coisas que queria porque não sabia a língua", lembra com uma gargalhada.

O INÍCIO DA CHEGADA DOS PORTUGUESES

Algum tempo depois de se estabelecer em Tétange, Maria Augusta mandou vir os irmãos para o Luxemburgo.

"O meu marido e um amigo dele conseguiram arranjar trabalho para os meus irmãos. Vieram todos para cá", lembra com saudade.

"Primeiro, tiveram que trabalhar no campo durante três anos. Era a lei antigamente. Para se permanecer definitivamente no país, tinham que passar três anos em trabalhos agrícolas e só depois poderiam ter acesso a outro tipo de empregos, se o patrão assinasse os papéis de autorização", explica.

Foi no início dos anos sessenta em que os portugueses começaram a chegar ao Grão-Ducado.

"A vida naquele tempo era dura", lembra. "Ajudei muitos portugueses quando eles começaram a chegar ao Luxemburgo. Arranjei casa e pensões para muitos. Como já sabia falar alguma coisa, cheguei a ir com eles para os ajudar naquilo que precisavam. Aqui era tudo diferente de Portugal".

"Um luxemburguês que eu encontrava regularmente na missa vinha-me trazer roupas para eu distribuir pelos portugueses. A minha casa parecia a Caritas", lembra.

"Eram meus conterrâneos, tinha de fazer alguma coisa por eles, não é?", recorda Maria Augusta. E continua. "O número de portugueses começou a aumentar a pouco e pouco e de vez em quando já se ouvia falar português na rua, sobretudo em alguns cafés onde a maioria se concentrava".

"Os portugueses são gente de trabalho e os luxemburgueses sabem disso. Se não fosse assim não vinham para cá, não é? Eles [portugueses] trabalharam muito para o Luxemburgo ser hoje o que é", refere.

Entretanto, a comunidade portuguesa foi crescendo, crescendo, e hoje já ultrapassou a fasquia dos 80.000.

"Às vezes, nas ruas da baixa de Esch, parece que estamos em Portugal, só se ouve falar português"... diz com um sorriso.

"Mas nestes últimos anos perdi muito o contacto com os portugueses. Exceptuando algumas pessoas de família, já não falo com ninguém", diz.

"Das muitas pessoas que conheci e ajudei, a grande maioria já se foi embora para Portugal ou morreu. Praticamente já só saio de casa para fazer compras, por isso o meu contacto com portugueses é muito esporádico. Além do mais, agora, já não conheço quase ninguém", sublinha.

Sobre a nova vaga de portugueses que continua a chegar ao Luxemburgo, exclama: "Já são muitos"...

Lembrando que a situação económica e social em Portugal é precária, Maria Augusta disparou: "Lá e um pouco por todo o lado", enfatiza.

"Mas eu compreendo. As pessoas têm que tentar melhorar as condições de vida e em Portugal as coisas estão mesmo complicadas. Infelizmente, nem todos têm sorte", lamenta. "Mesmo a vida no Luxemburgo já não é o que era", insiste.

"Hoje já não se arranja emprego com a facilidade de há uns anos e as dificuldades aumentaram para todos", lembra.

"Mas, apesar de tudo, a vida aqui tem outra qualidade e as pessoas, com maior ou menor dificuldade, acabam por fazer face à crise", lembra.

LUXEMBURGUESA HÁ 35 ANOS

Maria Augusta em Esch/Alzette em 1955
Maria Augusta nunca trabalhou no Luxemburgo. Viúva há 35 anos, foi perdendo as raízes e o contacto com o país que a viu nascer.

"A última vez que estive em Portugal, foi na celebração das Bodas de Ouro do casamento do meu irmão Brás (já falecido),em Braga. Desde essa altura nunca mais lá regressei", revela.

"Nem sei se vou voltar mais alguma vez. Só lá tenho um irmão que trabalhou aqui e já está reformado. Tirando ele, não tenho família nem conheço ninguém. Com o passar dos anos fui perdendo o contacto com a minha terra. A família e os amigos vão desaparecendo e depois apenas ficam as lembranças", esclarece.

Depois da morte do marido ficou com os filhos a viver da reforma e optou pela nacionalidade luxemburguesa, há mais de trinta anos.

"Eu e as minhas três filhas mais velhas pedimos a nacionalidade luxemburguesa porque foi a melhor solução para todos. As vantagens eram grandes e, para quem já vivia há alguns anos no país, como eu, acabou por ser uma escolha natural", diz.

"Agora, este é o meu país. É aqui aqui que me sinto bem e vou ficar até morrer. Tenho cá os meus filhos – só um é que vive em Itália – e o que me resta da família. Portanto, vou acabar os meus dias no Luxemburgo", rematou Maria Augusta.

Á. Cruz

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40 anos de histórias de portugueses no Luxemburgo

História de imigração portuguesa vista
e contada pelo CONTACTO

Há quarenta anos a comunidade portuguesa no Luxemburgo era assim:

Somos dezasseis mil portugueses!
Existe apenas um padre.
Temos uma única assistente social, paga pelo governo português.
Para setecentas crianças existem apenas duas professoras primárias.
Para mil e trezentas em idade pré-escolar não temos uma única creche.
Na segurança social sentimo-nos desprotegidos pela parte portuguesa.
Continuamos com a nossa emigração desorganizada com todos os prejuízos que daí advêm. 
( CONTACTO, Fevereiro de 1972)

No Natal de 1971, Sáragga Leal era secretário da Emigração do Governo português, o equivalente ao secretário de Estado das Comunidades Portuguesas nos dias de hoje, e dirigiu-se, através dos microfones da Emissora Nacional, em Portugal, aos emigrantes portugueses espalhados pelo mundo inteiro.

Em resposta, o CONTACTO lembra ao secretário da Emigração as condições de vida dos portugueses no Luxemburgo e pede a solução dos problemas mais urgentes: ensino, religião e segurança social.

Problemas que passam também pelas condições de alojamento dos trabalhadores portugueses no Grão-Ducado. Há quarenta anos, como ainda hoje nos quartos alugados em cafés, os imigrantes viviam, muitas vezes, em condições insalubres.


Chover no molhado (Fevereiro de 1972)
Não importa. É preciso que se diga e repita até ao cansaço. Não vale a pena citar nomes nem das pessoas, nem das localidades, até porque há várias pessoas e localidades que podiam ser citadas. As duas imagens devem dizer qualquer coisa.
Mas eu conto.
Como acontece todas as semanas, tinha uma deslocação marcada para certa cidade do Luxemburgo. Quatro dias antes, alguém me escreve a pedir que vá mais cedo um pouco, porque alguém queria falar comigo com vagar e mostrar "umas coisas”.
Chovia nesse dia (…) Feitas as apresentações entrou-se logo no assunto. "Venha daí comigo, pois queria que visse algumas casas onde vivem portugueses”.
Na primeira, viviam 26 (eram 28, mas dois já tinham saído naquela semana). Havia um grupo deles que comia. Comiam bem e a comida parecia apetitosa. Mas que cozinha! Cozinha e sala de jantar ao mesmo tempo. "Olhe para acolá…”
Em frente da janela, eram as toilettes, ao ar livre, sem um único resguardo.
"Vamos ver os quartos”. Na verdade só mesmo vendo se acreditaria. Vendo e sentindo o cheiro nauseabundo que se desprendia das paredes, das coisas, das pessoas. "Não há camas, neste quarto? Perguntei?”. Não, dorme-se no chão. "Quantos dormem aqui?” Sete. Eram três colchões encostados uns aos outros.
E lençóis? "Aqui não há lençóis”.
E os cobertores, quantas vezes foram lavados? Vezes? "Desde que aqui estamos (8 meses) nunca foram lavados. Onde se haviam de lavar? E como secariam num dia, para nos deitarmos à noite neles?” Não há aquecimento.
"Quantos dormem nestoutro quarto?” Oito. "Mas só tem quatro camas de uma pessoa…”.
E os armários? "Olhe-os aí…” (Pregos nas paredes e um estendal de calças, casacos, camisas, toalhas, etc.)
Quanto pagam ao patrão pelo alojamento? "Quinhentos francos”. E vocês aguentam isto? "Que remédio!...” “A gente vai agora de férias e a ver se quando voltarmos em Março, isto muda um pouco”.
Depois fui ver mais duas. Quase a mesma coisa, mas com esperanças de melhoria.
De quem é a culpa desta situação desumana?
Porque é que as autoridades não querem tomar conhecimento destas coisas?
Os patrões não recebem subsídio de alojamento para os operários? Quem fiscaliza o seu emprego? Porque é que se diz aos patrões 'desenrasquem-se?' E porque é que se responde a quem se interessa pelos imigrantes (ainda há quem se interessa) e pela sua situação: "não tendo alojamento condigno, mandam-se para a fronteira. A ser assim como é que os patrões se podiam "desenrascar”.

O texto é assinado por um "Observator".

Apesar de muitas vezes as condições de vida não serem as mais dignificantes, a verdade é que, no inicio dos anos setenta, os portugueses não paravam de chegar ao Luxemburgo.

Autorização de entrada no Luxemburgo (Fevereiro de 1972)


Como sabemos que há imensos portugueses que têm dificuldades na obtenção da autorização de entrada para as Famílias, vamos hoje explicar resumidamente como se deve proceder:


Para a obtenção da autorização de entrada no Grão-Ducado do Luxemburgo das Esposas, dos Filhos dos chefes de família trabalhando aqui, é necessário:


a) O Chefe de família deverá procurar primeiro que tudo um alojamento, com o número de peças suficientes; pedir depois ao proprietário da casa um certificado como alugou o apartamento


b) Pedir ao seu patrão um certificado como possui um trabalho e que o exerce regularmente


c) Que estes dois certificados sejam apresentados à polícia do bairro para que ela os possa reconhecer como verdadeiros


d) Com o certificado que a polícia entrega na sua posse, envia-o à esposa a Portugal.


Esta por sua vez fará um requerimento ao Consulado Luxemburguês em Lisboa – na Praça de Londres, nº 3, Lisboa –, pedindo a respectiva autorização de entrada, sem esquecer de enviar junto o certificado da polícia do Luxemburgo; assim como todos os nomes completos, datas e lugares de nascimento.


e) O Consulado enviará o requerimento ao Ministério des Affaires Etrangers, que, uma vez o alojamento e o trabalho já estão [sic] reconhecidos como válidos, enviará dentro de dias a autorização de entrada.


Importante: Não esquecer que depois de terem obtido o Passaporte com a autorização de entrada, deve-se passar mais uma vez no Consulado do Luxemburgo em Lisboa, para que seja posto no passaporte o visto. Assim poderá chegar ao Luxemburgo completamente legalizado, processo sem dúvida mais válido e muito mais barato.

Tudo isto numa altura em que o Luxemburgo e Portugal já tinham assinado vários acordos bilaterais sobre a emigração dos portugueses para o Grão-Ducado. Como o de Maio de 1970 :

Foi assinado em Lisboa um acordo Luso-Luxemburguês sobre a emigração dos Portugueses para o Grão-Ducado que entrará em vigor em breve. Este acordo prevê a regularização da emigração portuguesa para o Luxemburgo; a partir daquela data, os emigrantes portugueses no Grão-Ducado passariam a ser apenas "legais” (Junho de 1970).

Dois anos, depois o jornal informava que o Governo luxemburguês decidira apertar o cerco à imigração clandestina e iria deixar de ser tolerante para com os ilegais no país.

A história vem contada no CONTACTO de Maio de 1972. O jornal lembra mais uma vez os requisitos necessários para se poder residir no Luxemburgo e informa que a partir do dia 1 de Março de 1972 os imigrantes portugueses que não possuam um passaporte válido e visado serão recusados na fronteira . Mais: Aqueles que tenham entrado irregularmente em Luxemburgo antes de Março de 1972, sem preencher as condições apontadas, não poderão pedir a carta de identidade no estrangeiro, autorizando a residência no país e são actualmente postos na fronteira.

ONDAS HERTZIANAS EM PORTUGUÊS

É por esta altura que o CONTACTO anuncia a primeira emissão de rádio em língua portuguesa. Numa altura em que a "colónia” portuguesa atinge as 16 mil pessoas, todos os domingos, entre as 8h15 e as 8h30, a Rádio Luxemburgo emite um quarto de hora de música portuguesa e de informações úteis para a comunidade portuguesa, numa emissão animada pela única assistente social portuguesa no país.

O programa chamava-se "Despertar” e o feito só foi possível graças a Marcel Barnich, do Serviço Social para a Mão de Obra Estrangeira no Luxemburgo.

A emissão de rádio em português surge numa altura em o Luxemburgo adopta as 40 horas semanais de trabalho, e muitos imigrantes portugueses ficam sem saber como ocupar o tempo livre.

Uma reportagem feita pelo CONTACTO em Março de 1972 por Maria Baptista Viegas chega à conclusão que é urgente trabalharmos no sentido de aumentarmos os serviços recreativos, desportivos e culturais, ensinar um pouco a preencher esse valioso tempo livre que entre a nossa colónia ainda é sinónimo de tédio horrível.

Tudo porque a repórter esteve na Gare a entrevistar um grupo de portugueses e todos afirmaram que se sentiam um pouco perdidos, sem nada para fazer ao sábado:

- Agora com a semana das 40 horas, os senhores ficaram com o sábado livre…


-Sim senhora, antigamente era melhor, sempre se aproveitava mais umas horas…


- E o que faz aos fins de semana?


- Eu cá durmo!


- Os dois dias? (gargalhadas latinas)


-Não, lavo a roupa e faço a cozinha.


- E o resto do grupo?


- É a mesma coisa, aos Domingos vamos à missa, escreve-se à família.


-Outro grupo, as mesmas perguntas, as mesmas respostas.


Depois fomos até ao Grund.


Casas cheias de gente, domésticos improvisados. As mesmas perguntas. As mesmas respostas.


– Durmo, lavo a roupa…a cozinha…bebemos um copo.


Outro grupo…outro e outro…e assim indefinidamente percorrendo todo o Grão-Ducado, as respostas serão de 90 % as mesmas.


VIRGEM DE FÁTIMA CHEGA AO LUXEMBURGO

Consultando os primeiros jornais CONTACTO, um dos temas dominantes nas páginas do então periódico mensal era a vinda da imagem de Nossa Senhora de Fátima ao Luxemburgo.

Depois de muitos esforços, a Igreja do Luxemburgo recebe uma réplica da imagem da Cova d'Iria, oferta da comunidade portuguesa. A chegada da Virgem foi notícia em toda a imprensa luxemburguesa – afirma o CONTACTO – e envolveu muitos dos portugueses que em 1972 viviam no Grão-Ducado.

Chegada da Imagem de Nossa Senhora de Fátima ao Luxemburgo - ( CONTACTO, Junho e Julho de 1972)


No dia 21 de Maio chegou ao Luxemburgo a imagem de Nossa Senhora de Fátima trazida pelo Sr. Padre Aurélio Granada. No aeroporto estavam presentes uma representação de portugueses e de luxemburgueses e ainda a imprensa. Em cortejo, a imagem seguiu para a igreja dos Portugueses, onde chegou às 18h. A assembleia cristã no final da missa recebeu apoteoticamente a Imagem com cânticos, lágrimas e súplicas. Após uma saudação do Sr. P.e Aurélio à Colónia Portuguesa, as crianças da Comunhão fizeram a sua Conservação à Virgem e com ramos de flores prestaram-lhe a primeira homenagem, à semelhança dos pastorinhos.


Ao longo da semana, todos os dias à noite, houve terço, missa e pregação, com grande afluência de imigrantes. No dia 26 de Maio realizou-se no centro da cidade a Procissão das Velas, muito concorrida e apreciada pelo povo luxemburguês. Cerca de mil imigrantes estiveram presentes. No dia seguinte, a imagem foi recebida em Wiltz. O tempo era de chuva e de vento, o que não impedia a vinda dos peregrinos de todos os cantos do país.


De Portugal veio de propósito o então Cardeal Patriarca de Lisboa, D. António Ribeiro.

A pequena cidade do norte do Luxemburgo encheu-se por completo, como nos conta o CONTACTO. Cerca de 40 autocarros, vindos de todo o país, dirigiram-se a Wiltz; de Colónia - Alemanha, veio um autocarro com cerca de 50 portugueses; centenas de luxemburgueses estavam presentes; centenas de viaturas particulares encheram os parques.

No final da celebração os imigrantes portugueses no Luxemburgo fazem a entrega oficial da imagem da Virgem de Fátima ao povo luxemburguês. Chegou a hora, irmãos, de fazermos a entrega oficial da Imagem de Nossa Senhora de Fátima ao povo do Luxemburgo. Entregamo-la a quem tão dignamente o representa aqui: o Senhor Bispo do Luxemburgo, que é também o nosso Bispo (…) É com emoção que fazemos esta oferta. E fazemo-lo como reconhecimento da hospitalidade que aqui nos é dado e do apoio recebido.


Domingos Martins


(O texto em itálico reproduz as notícias publicadas no CONTACTO. Optámos por transcrever o texto tal como foi publicado na altura, mantendo naturalmente a grafia utilizada. DM )

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Pastéis de Belém feitos em Roodt-sur-Syre, alheiras de Esch-sur-Alzette, pão Saloio "made in Luxembourg"

As marcas dos portugueses

Longe vão os tempos em que era preciso ir às mercearias para encontrar produtos portugueses. Hoje, as grandes superfícies e empresas do sector alimentar luxemburguês lutam por conquistar o "fiel consumidor".

Pastéis de Belém feitos em Roodt-sur-Syre, alheiras de Esch-sur-Alzette, pão saloio "made in Luxembourg", fazem parte do "comércio da saudade" que movimenta milhões de euros por ano.

O português é a língua oficial nos estaleiros de construção no Luxemburgo. As cervejas Sagres e Super Bock têm enormes vendas no país e são consumidas por quase toda a gente (Foto: Paulo Lobo, blogue "Terra de Vida")
Eram outros tempos. Quando Mili Tasch-Fernandes cá chegou, em 1967, o número de portugueses no Luxemburgo não chegava aos 5 mil. Para estes pioneiros, encontrar produtos nacionais era uma aventura e um desafio aos hábitos alimentares luxemburgueses.

"A primeira vez que comprei grelos, a minha sogra [luxemburguesa] disse: 'Ai tu compras isso? Mas isso aqui é alimentação para os porcos'", recorda.

"Não havia quase nada. Houve uma época em que os produtos portugueses se encontravam unicamente nas pequenas mercearias ou no supermercado Primavera. Eu lembro-me de ir ao Primavera aos domingos de manhã para comprar mercearias e legumes portugueses. Hoje já não é preciso: as grandes superfícies vendem praticamente tudo".

Quarenta anos depois da chegada dos primeiros portugueses ao Grão-Ducado, as marcas da imigração estão por todo o lado: nos cafés e restaurantes, nas mercearias de bairro, nas prateleiras das grandes superfícies, a abarrotar de óleos Fula e conservas Bom Petisco.

Muito antes de obterem o direito de votar, os imigrantes portugueses conquistaram o direito de comprar os produtos nacionais nas lojas luxemburguesas. O Cactus, a maior cadeia de supermercados no país, iniciou a ofensiva em 1990. Hoje comercializa 450 artigos portugueses nos 26 supermercados espalhados pelo país, garante Claude Ries, responsável pelas compras no mercado português. E os produtos portugueses são um sucesso, "com um crescimento em volume de negócios superior a média dos outros produtos", diz. Para o gigante luxemburguês da distribuição alimentar, a necessidade de seduzir os consumidores portugueses é uma evidência.

"Basta olhar para as estatísticas demográficas. Há 80 mil portugueses no Luxemburgo, que representam entre 15 % e 20 % da população do país, e claro que querem encontrar as marcas que lhes são caras".

Os campeões de vendas são "os vinhos e bebidas alcoólicas, as conservas de peixe (o atum Bom Petisco é dos mais fortes, temos vendas enormes), o arroz Caçarola, o óleo Fula, o azeite Galo, são tudo produtos com grande saída".

Na padaria, encontra-se "pain portugais" made in Luxembourg e pastéis de nata importados de Portugal. "Vendemos 400 mil unidades por ano", diz o responsável de compras do Cactus. "É a receita autêntica de Lisboa, importamo-los congelados de Rio Maior".

E os campeões de vendas na doçaria portuguesa, "les natas", como lhes chamam os luxemburgueses, já têm companhia.

"No ano passado, começámos a vender também bolos de arroz. Funcionou tão bem que vamos continuar, vendemos 100 mil num ano".

(Foto: Marlene Soares)
O Auchan também importa pastéis de nata de Portugal. Vêm congelados da Auchan Portugal. Mas a popularidade deste ícone da doçaria lusitana é tão grande que já há quem os produza no Luxemburgo. Adeus pastéis de Belém, olá pastéis de Roodt-sur-Syre.


"Há o segredo da receita de Belém, nós temos a nossa receita própria", revela Vítor Bento, responsável de Marketing da Panelux, proprietária da cadeia luxemburguesa de pastelarias Fischer e Bakes. A empresa panificadora criada em 1913 fabrica os pastéis de nata em Roodt-sur-Syre, perto de Betzdorf, e eles vendem-se nas 62 lojas da cadeia, ao lado dos Bretzel e dos bolos luxemburgueses.

"Os turistas perguntam o que é, e nós explicamos que é uma especialidade portuguesa. Aí pedem para provar", conta Sónia da Costa, empregada na Fischer da Gare de Esch-sur-Alzette, que garante que "as natas" são tão populares junto dos portugueses como dos luxemburgueses.

"Temos os pastéis de nata há mais de 10 anos, e vendemos entre cinco a seis mil unidades por mês", diz Vítor Bento.

As vendas não impressionam tanto como as do Cactus, o campeão de vendas dos pastéis de nata, mas simbolizam a vontade da empresa luxemburguesa em adoçar a boca ao consumidor português.

"Temos também um pão de tipo português, chamado 'pain soleil', que tem muito sucesso também entre os luxemburgueses. E na altura das festas, adaptamos a nossa oferta aos portugueses. Na Páscoa temos o pão de Ló e no Natal o tronco de Natal", diz o responsável da comunicação da Fischer.

No Auchan, a oferta de produtos portugueses não se fica pela doçaria: as marcas portuguesas invadiram todas as secções. Nos congelados, há Bacalhau à Braz, Bacalhau Conventual e outras receitas tradicionais portuguesas pré-cozinhadas; nos lacticínios há queijo de Niza, Açores, Serpa e Castelo Branco. Das charcutarias às conservas, passando pelas massas e arroz, há rótulos em português ao lado das marcas estrangeiras. Vem tudo do Auchan Portugal, com raras excepções: o "pain Saloio" vendido na padaria é feito no Luxemburgo, e o queijo fresco "Bola de Neige" – assim mesmo, com nome híbrido luso-luxemburguês –, é fabricado pela Fromagerie du Luxembourg e vendido igualmente noutros supermercados.

"A clientela portuguesa é a nossa segunda melhor clientela em número de clientes, a seguir aos luxemburgueses", diz Sophie Morlé, responsável de comunicação do Auchan no Luxemburgo. "A parceria com o Auchan Portugal permite-nos ter aqui as marcas portuguesas que não encontramos [nos supermercados do grupo] em França".

Anualmente, o Auchan Portugal exporta para o Luxemburgo um milhão e 200 mil euros em produtos portugueses, e o grupo português quer duplicar esse valor já este ano, disse ao CONTACTO Aníbal Graça, responsável pelas exportações.

As remessas de produtos para o Luxemburgo representam cerca de 4 % do volume de exportações do Auchan Portugal para a Europa, que rondam os 29 milhões de euros por ano, mas Aníbal Graça considera o mercado luxemburguês estratégico.

"Sabemos que a nossa comunidade dá muita importância aos produtos portugueses, não só a comunidade no Luxemburgo como as comunidades que vivem nos países limítrofes, como a Alemanha e a França, e que procuram também as nossas lojas no Luxemburgo para adquirir produtos de Portugal".

O "COMÉRCIO DA SAUDADE"

(Foto: Paulo Lobo)
O "comércio da saudade" movimenta fortunas, mas ninguém sabe ao certo o seu valor. Em 2009, as importações directas de Portugal no Luxemburgo rondavam os 40 milhões de euros, segundo o Statec, mas para a Câmara de Comércio e Indústria Luso-Luxemburguesa (CCILL) os números do gabinete de estatísticas europeu ficam muito aquém da realidade.

"As estatísticas não têm em conta a importação indirecta nem dão conta da importância do Luxemburgo no comércio externo luxemburguês", diz Francisco Silva, da direcção da CCILL, que calcula em 2.500 as marcas importadas de Portugal.

O dirigente da Câmara de Comércio Luso-Luxemburguesa lamenta que não haja "estudos sobre a verdadeira e real contribuição dos portugueses na riqueza deste país e no seu crescimento económico".

"É um trabalho que nunca foi feito e que demoraria meses, pela falta de estatísticas agregadas. Teríamos de ver o volume de negócios de todas as empresas que trabalham com Portugal. Só assim poderíamos apurar a importância real da economia de origem portuguesa no Luxemburgo".

O "FIEL CONSUMIDOR"

Certo é que os consumidores portugueses são cada vez mais o alvo das campanhas das empresas luxemburguesas. Em 2007, um estudo da Confederação Luxemburguesa do Comércio considerava-os "os consumidores mais fiéis do Grão-Ducado": os preços mais baixos do outro lado das fronteiras tentam menos os portugueses que outras nacionalidades.

"É verdade que constámos que os residentes portugueses eram os consumidores mais fiéis ao comércio luxemburguês", diz Tanja Bollendorf, da CLC. "E no ramo alimentar é evidente que os supermercados luxemburgueses se adaptaram [à clientela portuguesa]. Essa é aliás uma das razões pela qual eles continuam a ser os clientes mais fiéis".

O estudo foi distribuído pelos associados da Confederação de Comércio Luxemburguesa há dois anos, e Francisco Silva garante que veio reforçar a aposta no cliente português.

"A partir daí notou-se uma grande modificação nas grandes cadeias de distribuição. Começaram a fazer semanas portuguesas com mais frequência e a ter uma oferta mais abrangente de produtos".

Os portugueses são os consumidores mais fiéis ao comércio luxemburguês. As grandes superfícies pagam-lhes a fidelidade em géneros... portugueses.

Paula Telo Alves
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Comércio tradicional português no Luxemburgo

Mercearias portuguesas lutam para sobreviver

José Silva retomou o negócio do cunhado, e explora há um ano as duas mercearias "Da Silva Fréres", uma empresa familiar criada em 1974, em Esch-sur-Alzette.

"Deu-me pena ver isto fechado", diz este imigrante de 54 anos. Mas o negócio vai "assim assim": "Há muita escolha e nota-se a crise. Há muitas mercearias portuguesas, mas também há muitas que fecharam". Por causa da concorrência dos hipermercados.

"Quando a casa foi fundada, era outro mar", recorda este imigrante a viver no Luxemburgo desde 1970. "Antes o Cactus não tinha produtos portugueses, agora com tantos produtos portugueses a gente não consegue lá chegar".

O negócio vai pior na mercearia que fica ao fundo da rue du Canal, em frente ao memorial da deportação dos judeus na Segunda Grande Guerra. E no entanto, aquela rua tem uma das maiores concentrações de portugueses no país: 67 % dos moradores na rue du Canal são portugueses, segundo um estudo da autarquia de Esch-sur-Alzette.

Adelino e Arminda Marques são clientes da casa, e apesar de comprarem ali alguns produtos, também se abastecem nas grandes superfícies.

"Quando cá chegámos só havia ali um, era o Vítor. Era muito difícil encontrar produtos portugueses. Agora é muito mais fácil – só não há é trabalho", ironiza Arminda, que trabalha na fábrica da Panelux, uma das cadeias luxemburguesas que vendem produtos portugueses (ver artigo principal). Adelino trabalha "no ramo dos portugueses" (risos). "Os luxemburgueses não gostam da gente, mas se não fossem os portugueses a fazer aqui a construção, o que é que ia ser do país?", queixa-se Adelino.

Mas os portugueses têm pelo menos um fã: o sector alimentar luxemburguês, que faz concorrência às mercearias, a maioria nas mãos de portugueses. Quando se reformar, José Silva não sabe se vai ter sucessores. "Os filhos não se interessam, dizem que é uma vida muito presa. Mas é preciso tentar, não é?".

A MERCEARIA DO BURGOMESTRE

Amélia Gomes não teme a concorrência. A mercearia Mélita, no bairro da Gare, tem muitos clientes de todas as nacionalidades, incluindo o burgomestre da capital, que mora no bairro.

"Vem aí muitas vezes. Entra aí e pega no cestinho, é um cliente normal", conta.

A casa existe há cerca de 30 anos, mas só desde 1998 é que Amélia explora o negócio.

"A maioria das pessoas vêm porque é um negócio de proximidade, é conveniente. Fazem as compras do mês nos supermercados, mas depois há coisas que compram com mais regularidade. O pão, o leite, os ovos, são compras diárias".

Apesar da crise anunciada no "comércio da saudade", há quem continue a apostar no que é nacional. Na Boucherie Ferreira, aberta há sete anos, em Esch-sur-Alzette, "é tudo como num talho português", diz Fernando Cunha, um dos empregados. A casa tem sete talhos e fabrica as suas próprias alheiras... em Esch-sur-Alzette.

Na rue du Brill, fica o pioneiro dos talhos portugueses, a Boucherie Brill. Nos sete talhos da empresa fundada há 23 anos por empresários portugueses, encontram-se as miudezas mais exóticas: tripa enfarinhada, miúdos e patas de galinha, corações de frango, farinheira, sangue cozido, tripa em vinha de alho. "A menina quer mais alguma coisa?".

"Há mais portugueses, mas mais tesos. Com a crise que está é mais complicado. Primeiro levavam grandes compras, agora levam mais coisas ao miúdo", diz Aníbal Pinto, responsável do talho de Esch. "Mas as pessoas procuram-nos porque é fresco, cortado na hora, enquanto nos supermercados é tudo embalado e congelado".

Na pastelaria portuguesa Boa Nova, em Esch-sur-Alzette, não se sente a concorrência dos hipermercados. "Há clientes que vêm do Norte de propósito para comer as nossas torradas com os nossos galões", e "os luxemburgueses levam às 10 'natas' de cada vez", diz Sandra Monteiro, à frente do negócio há três anos. A casa existe há 13 anos. Pastéis de feijão, bolos de arroz, ovos moles de Aveiro, rissóis de leitão, patas de veado, bolas de Berlim, croissants mistos, atraem muitos clientes portugueses e alguns luxemburgueses, que representam trinta por cento dos clientes, garante a jovem empresária de 28 anos. O atendimento ao cliente, a qualidade dos produtos e a flexibilidade horária ("a gente abre às 6 da manhã para os pequenos-almoços e só fechamos às sete da noite") fazem a diferença em relação ao tratamento impessoal das grande superfícies.

"Puis-je vous prendre du lait?". É domingo, passam dez minutos da uma. Amélia Gomes já apagou as luzes da mercearia e está com um pé fora da porta. "Allez-y", diz, voltando a abrir a loja.

P.T.A.

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Camilo e Adelaide Nunes chegaram ao Luxemburgo em 1973 e regressaram a Portugal em 1992

“O Luxemburgo é um bom país
para quem trabalha”

por Andreia Marques Pereira, no Porto

Camilo e Adelaide Nunes (Foto: JLC)
Um carro “iludiu” Camilo Nunes, quando partiu na sua demanda luxemburguesa, arrastando a mulher e dois filhos. E quase nos atrevemos a dizer que foi um carro que o levou de volta a Portugal. Pelo meio, foram 19 anos no Luxemburgo. Diz que “adorou” o país enquanto trabalhou. Adelaide, a mulher, não queria deixar Portugal, mas agora só quer estar no Grão-Ducado, junto dos filhos e dos netos.

Éuma uma casa bem portuguesa, cheia de memórias luxemburguesas. As visíveis e as que já se baralham um pouco, afinal, “as coisas passam, já lá vai tanto ano”, reflecte Adelaide Nunes. Estamos na sala do apartamento de Matosinhos, profusamente iluminada por um grande candeeiro de porcelana, que dá (ainda) mais vida aos sofás dourados onde nos sentamos, virados para uma estante-vitrina carregada de louças, ladeada por dois jarrões gigantescos. Num canto, está a televisão, noutro a aparelhagem, no centro, a mesa, coberta por uma toalha de renda e na qual repousam candelabros e flores. Detemo-nos nas fotografias que as paredes exibem, têm cenários do Luxemburgo: o casamento da filha, a comunhão dos netos e, numa moldura digital, “todo” o casamento da neta mais velha, o ano passado.

É segunda-feira e três dias depois Camilo e Adelaide Nunes partem para o Luxemburgo. Vão ficar pouco mais de um mês. É uma viagem comum. “Às vezes vamos de três em três meses, às vezes de seis em seis”, conta Adelaide.

Vão saciar as saudades dos filhos e dos netos. “É tudo lá. Aqui não quero nada, aqui não se podem ter problemas de saúde”, afirma, convicto, Camilo Nunes. Até já era para terem ido “para cima”, que é como quem diz, para o Luxemburgo, mas, para essa altura, os bilhetes de avião eram a 500 euros; conseguiram-nos por 400 para um pouco mais tarde. Agora vão de avião. Agora vão de visita. Muito diferente da primeira vez.

O ano de 1973 ainda estava a começar quando Camilo Nunes embarcou, de carro, na viagem que lhe mudou a vida – a ele e à família – , rumo ao Grão-Ducado: “Conhecia o Luxemburgo porque andei na escola até à quarta classe, sabia que era um país que estava no mapa. De resto, não sabia nada”. Adelaide seguiu-o, de comboio, em Abril - em Agosto foi a Portugal buscar os filhos. Camilo e Adelaide voltaram ao país que os viu nascer em 1992. Os filhos continuam no Luxemburgo. Os netos são luxemburgueses.

A vida nos idos de 70 em Portugal até não corria mal ao casal Nunes. Camilo era estucador. “Ganhava 758 escudos por semana. Mas de prémio de produção ganhava um conto e quatrocentos, um conto e quinhentos”, lembra. Para Adelaide, que na altura não trabalhava por questões de saúde, e para os filhos ia o envelope com o ordenado, “nem o abria”, graceja; ele ficava com o prémio de produção. A vida seguia, portanto, sem sobressaltos.

Até que Camilo encontrou uns colegas de ofício (um deles tinha sido seu mestre), que entretanto tinham emigrado para o Luxemburgo. Estavam à beira de um rio a lavar os carros.

“Foram os carros que me iludiram. Eu pensei, ‘então, como é que eu não tenho um carro também?’”, conta. Um deles tinha um Mercedes. “É impossível. Eu também vou para lá”. A ideia era ganhar dinheiro para uma motorizada, para se poder deslocar para os trabalhos. Um desses amigos desafiou-o a emigrar também. “Se arranjar contrato, sim”, decidiu Camilo Nunes.

O amigo arranjou-lhe contrato e menos de dois meses depois estava no Luxemburgo, depois de ter conseguido a “ressalva” que lhe permitia sair de Portugal (ainda voltaria um mês depois para completar a documentação: faltava-lhe o visto da embaixada luxemburguesa em Portugal). Na altura era fácil arranjar trabalho, constata. “Eles vinham-nos buscar, para a construção civil e para as ‘usines’”. Elas para as limpezas”.

- Não precisávamos de ir para o Luxemburgo, afirma Adelaide Nunes.

- Não precisávamos, concorda Camilo Nunes. Eu vivia bem, com saúde, vivia bem. Mas foi a ilusão dos carros…

- Mas quando ele chegou lá e viu a miséria que havia com os portugueses…

- É verdade, desiludi-me.

- Ele queria vir embora.

Foi difícil chegar ao Luxemburgo, a Esch-sur-Alzette. Nos primeiros tempos, Camilo, ainda sozinho, viveu numa pensão e tinha de ir tomar banho à piscina municipal. Arranjar casa foi um problema e as mudanças de residência constantes - “passámos por uma quinze casas”, calcula Camilo -, mas foram tendo sorte e contando com a ajuda de alguns dos outros emigrantes. Alugaram a primeira casa por quatro mil francos. “Ganhava 30, 35 mil”, recorda Camilo. “Era razoável, a vida não era muito cara. Dava para pôr um bocadinho 'à cotê', como dizem os franceses”.

Mas isto foi “depois”: quando chegou, Camilo trabalhou três meses como trolha, ganhava 13 mil francos. Depois, foi para estucador. “O que me meteu mais medo no Luxemburgo”, confessa (para depois emendar, “medo não é bem o termo, nunca fui homem de medo”), “foi a língua. E depois o racismo que lá existia”.

- As mulheres iam aos estabelecimentos e não havia ninguém que falasse a língua. E desconfiavam muito das portuguesas.

- A gente entrava e eles andavam sempre atrás de nós e aquilo enervava-me, confirma Adelaide.

Até nas escolas havia problemas. Ana Rosa e Rui Manuel, os filhos, tinham nove e sete anos quando a família emigrou. Na escola, atrasaram um ou dois anos, a memória falha a Adelaide, mas o problema era o racismo.

“Batiam nos meu filhos na escola”, recorda Adelaide. Memórias amargas. E, mais tarde, quando a televisão francesa, já depois do 25 de Abril, passou um documentário sobre a guerra colonial portuguesa, Adelaide começou a ouvir muito a expressão “sal race”. “Eles [luxemburgueses] perguntavam-me se o meu marido tinha estado na guerra do Ultramar. Eu, coisa natural, dizia que sim”, recorda. Na altura nem sabia o que significava. Raça suja, sabe-o agora.

“Ah, e o racismo entre os portugueses”, lembra Adelaide. “Por causa das regiões diferentes. Os de cá da terra [Matosinhos] eram os piores”.

E a língua, insiste Camilo Nunes. “A língua foi o principal obstáculo, depois habituamo-nos àquilo”. Ele teve a sorte de ter tido um patrão que foi muito seu amigo. Tendo trabalhado três meses com italianos, conseguia falar essa língua, mas o patrão insistiu em falar francês. “Disse-me: ‘Não, a partir de hoje falamos em francês e quando não souberes, fala em italiano que eu explico-te e vais aprender’”. Aprendeu. “Quando viemos embora falava a 60 por cento, agora a 50 por cento. Já estou aqui há 18 anos”. O luxemburguês e o alemão nunca aprenderam - Adelaide percebe algumas frases em luxemburguês, mas o francês era a sua língua franca, mesmo quando trabalhava (não o fez regularmente), nas limpezas. “O que me custou mais foi os dias da semana e as cores”, diz.

No início, quando emigraram para o Luxemburgo, as saudades apertavam. Até iam ao aeroporto do Findel "só para ver os aviões da TAP, não era como agora que há muitos canais portugueses, nem havia muitos cafés lusos como há agora", sublinha Camilo. Havia os “bailezinhos” ao fim-de-semana, onde se chegavam a juntar cinco ou seis mil emigrantes. “Agora já não é assim”, diz Adelaide.

“Adorei aquele país enquanto trabalhei e acho muito bom para quem trabalha”, admite Camilo.

Mas Camilo já não trabalha. “Quando lhe deram a invalidez foi muito mau”, conta Adelaide, “foi quando lhe tiraram o rim fora”. “A caixa da maladie enviou-lhe a carta logo”. Camilo tinha pouco mais de 50 anos. Não muitos meses depois, regressaram a Portugal. “Com o dinheiro que ganhava da pensão não podia fazer a vida que tinha quando trabalhava”, reconhece Camilo. Ficou a receber 44 mil francos, “quase 200 contos”, mas a vida no Luxemburgo é “muito cara”. “Para me dar não podia ter carro, por exemplo, tinha de andar a pé”. Em Portugal, pelo contrário, é “um rei”. Camilo e Adelaide têm casa própria e carro. A reforma é de 1.800 euros, as despesas extras são as vindas ao Luxemburgo, onde ficam em casa da filha.

Não foi uma decisão fácil para nenhum. Camilo ainda hoje diz que o regresso foi uma opção meramente económica, apressada por problemas familiares. Mas foi Adelaide que pagou a maior factura da aventura luxemburguesa. Diz que preferia não ter ido para o Luxemburgo, “vivia bem em Portugal”, mas passou muitas horas a chorar na hora do regresso definitivo – afinal, acabou por ser feliz no Grão-Ducado: “Os meus filhos lá se criaram. Lá fizeram a Comunhão. Arranjaram namoros. Lá se casaram. Lá nasceram os netos…”.

“Estou bem com a minha vida, tenho casa, pataco no banco, carrinho na garagem, coisas que nunca julguei vir a ter”, confessa, mas, mesmo hoje, diz, “preferia comer só uma tigelinha de sopa com um bocadinho de pão e ter os meus filhos e os meus netos à minha beira”.

Por isso, a poucos dias de mais uma partida, está ansiosa. “Gosto muito de ir lá. Para estar junto da minha filha e do meu filho”. Camilo, nem por isso. Gosta de estar com a família, mas passa os dias a dormir, diz Adelaide.

“Para estar a dormir prefiro ficar aqui. É que lá se chover eu não saio de casa. Aqui, se chover é fácil ir até ao café. É só atravessar o passeio e estou lá”. Vai de carro, claro.

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A comunidade e o movimento associativo cabo-verdiano no Luxemburgo

Primeiros cabo-verdianos chegaram
no princípio dos anos 60 ao Grão-Ducado

A imigração cabo-verdiana no Luxemburgo começou no início da década de 1960, à semelhança da portuguesa. Hoje, “pode chegar aos 8 mil”, segundo números da Embaixada de Cabo Verde no Luxemburgo. O CONTACTO falou com a comunidade e dirigentes associativos para perceber os seus principais anseios, preocupações e desafios.

Pedro Santos (Foto:ASTI)
"Os primeiros cabo-verdianos a chegaram ao Luxemburgo, em 1963/64 vieram da Mosela francesa”, conta Pedro Santos (mais conhecido na comunidade pela alcunha de "Piduca"), presidente da Associação Luso-Cabo-Verdiana.

Segundo o presidente da associação Amizade Cabo Verde-Luxemburgo, Firmino Neves, Carlos Costa e Afonso Pires criaram no início dos anos 70, em Dommeldange, um primeiro grupo cabo-verdiano. Recordamos-lhe que o CONTACTO na sua edição de Setembro de 1975 (pág. 3) noticiava que a 31 de Agosto desse ano era fundada a primeira associação oficial cabo-verdiana em Ettelbruck por José da Luz e Armando Brito. Piduca ajuda nas contas: "E a 2 de Fevereiro de 1979 aparece a segunda, a Luso-cabo-verdiana, vulgo FC Amílcar Cabral". Hoje são cerca de 30 e nas mais diversas áreas de actuação e consoante as regiões em que os cabo-verdianos se concentram mais: na capital, Ettelbruck, Esch/Alzette e Differdange, revelam os dirigentes.

A CHEGADA, A INTEGRAÇÃO E A COMUNIDADE

Carlos Silva, hoje com 85 anos, estava nos fim dos anos 50 em Metz e assegura que foi um dos primeiros cabo-verdianos a chegar a essa região.

“A integração não foi fácil. Eu trabalhava nas estradas e as condições não eram as mesmas de hoje”, recorda. “Depois vim para o Grão-Ducado, em 1959. A ideia não era ficar no Luxemburgo”, mas com a guerra do Ultramar, Carlos decidiu ir buscar os filhos a Cabo Verde antes de estes chegarem à idade da tropa e trouxe a família para cá.

João da Luz
Em 1974, com 18 anos, chega ao Luxemburgo João da Luz, filho de José da Luz (fundador da primeira associação cabo-verdiana no país). João confia que foi num dos liceus da capital que sentiu “os primeiros conflitos e discriminação” e lembra a mentalidade dos professores: “Os estrangeiros tinham de ter o mínimo de formação para irem trabalhar o quanto antes na construção civil.”

“O Luxemburgo era vazio em casas, estradas, imigrantes, mas os cabo-verdianos e portugueses tinham uma comunidade formidável, uma grande família”, recorda.

Nelson Neves nasceu em Santo Antão e veio de Cabo Verde com sete anos de idade, em 1980. O primeiro choque foi com a “hora para a refeição, hora de brincar e da escola, foi dura a adaptação!”, começa por dizer. Em Diekirch “eram poucas as pessoas de cor e as crianças às vezes eram cruéis, chamavam-me negro e outras coisas”. Mas Nelson vingou na escola e formou-se em pintura e decoração.

Fátima Monteiro, residente em Ettelbruck, deixou Portugal em 2003 sem hesitar. “Se me chamassem para a França, era a França, mas não houve escolha. Um amigo cabo-verdiano chamou-nos para o Luxemburgo porque não havia trabalho em Portugal", conta. E lembra que foi com a ajuda de uma portuguesa que encontrou o seu primeiro trabalho neste país.


Humberto da Graça, residente na cidade do Luxemburgo, chegou de Cabo Verde em 1988 e lembra que foi “bem recebido”.

“A comunidade era reduzida. Havia futebol e festas nos locais onde os cabo-verdianos se encontravam para tomar um copo e conversar”. "Hoje", ressalva, "a união mantém-se, mas está um pouco mais espalhada.”

Uma das recentes e bem coroadas chegadas foi a de Ana Santos, 32 anos, secretária na Citco Bank. “Nunca pensei vir cá para o Luxemburgo, até o momento em que fiquei desempregada em Portugal”. Mas se encontrou trabalho numa instituição bancária de prestígio, nem tudo o que veio cá encontrar lhe traz boas memórias. Recorda como em 2008, da casa de uma amiga portuguesa que vivia na rue de Strasbourg (na capital), via “a parte da comunidade cabo-verdiana menos integrada, com as suas festas, confusões e brigas". "Tínhamos espectáculos de graça quase todos os fins-de-semana”, ironiza.

PREOCUPAÇÕES E DESAFIOS

Para Fátima e Carlos, “o desemprego é hoje o principal problema da comunidade cabo-verdiana”. Ana Santos apresenta outra visão: “Acho a nossa comunidade fechada, como a dos brasileiros, que fazem as suas festas apenas para si próprios”.

Nelson, que passou pelo sistema de ensino luxemburguês, comenta o que conhece: “Fico triste quando vejo jovens cabo-verdianos a abandonarem os estudos, o que leva os luxemburgueses a pensar que o nosso povo não é capaz. Fico triste porque isso não corresponde à verdade”.

Humberto também lamenta: “Há muito tempo que estamos aqui e temos ainda poucos quadros. Há qualquer coisa que não está bem no sistema de educação [no Luxemburgo]”.

Humberto formou um grupo de contradança (dança típica cabo-verdiana) e confia que “gostava de ensinar as danças tradicionais do seu país aos mais pequenos, como forma de estes guardarem a sua cultura de origem”. Considera que a comunidade tem “ignorado a sua própria cultura, sem lhe dar apoio".

João da Luz lembra que no seu tempo “o sistema escolar luxemburguês, já era muito baseado na língua alemã e isso travou a sua geração no acesso a um melhor emprego". E é por isso que alerta os jovens cabo-verdianos de hoje: "Sem formação podemos ser esmagados por outros”.

Firmino Neves (Foto: M. Dias)
Para Firmino Neves, "os problemas da comunidade são encontrar um patrão, ter um documento na mão, os preços exorbitantes da habitação e a falta de união na comunidade.”

Já para Piduca, um dos problemas que a comunidade enfrenta é a que mais lamenta é a de “os luxemburgueses continuarem apreensivos em relação aos estrangeiros e sobretudo às pessoas de cor”.



CONCRETIZAÇÕES E OPORTUNIDADES

“Hoje, tudo o que tenho é graças ao Luxemburgo”, diz Nelson Neves, que fora das horas em que pinta trabalha como funcionário do Estado num laboratório. “Pensava que trabalhar na Função Pública era só reservado aos luxemburgueses, mas é um erro pensar assim.” Conta como concorreu a um trabalho entre dois mil outros candidatos e conseguiu. O que o faz afirmar hoje peremptório: “Se eu consegui, outros também podem conseguir”.

Nelson conta igualmente que teve apoio quando quis expor as suas obras em Paris e Cabo Verde. “O Estado luxemburguês dá apoios, mas a comunidade [cabo-verdiana] não apresenta projectos”, diz.

Fátima concorda que o Luxemburgo tem muitos lados positivos: “Aqui pagam-nos salários razoavelmente bons. Se uma pessoa tem organização, consegue fazer a sua vida.”

Na mesma linha, Humberto refere: “Conheço muita gente que viveu 40 anos em Portugal, mas só 10 anos daqui [Luxemburgo] têm mais vantagem do que esses 40 anos.” E revela-nos o seu sonho: “Gostava de ver um dia os filhos de cabo-verdianos a estudar na Universidade.”

Ana Santos reconhece que “aqui há oportunidades e uma pessoa pode evoluir e fazer carreira.” O seu desejo era que “os cabo-verdianos pudessem naturalizar-se e ocupar cargos administrativos ou outros postos que normalmente são atribuídos a outras nacionalidades.”

“Muitos conseguiram trabalho de forma honesta e adaptaram-se bem”, limita-se a dizer Carlos e a sua principal referência é a sua própria vida.

João da Luz prefere deixar o mote: “Esta não é uma sociedade fechada, mas é uma sociedade de combate”.

Para Piduca, “apesar de tudo, o Luxemburgo é um país acolhedor, porque mesmo no desemprego pode-se superar os problemas, melhor do que em outros países”. “Um cabo-verdiano que viva cá no Luxemburgo tem outra dinâmica de vida”, remata por seu lado Firmino.

"JUNTOS... MAS SÓ NO FUTEBOL"

E como são as relações entre a comunidade cabo-verdiana e as outras comunidades lusófonas?, quis ainda saber o CONTACTO.

Se para Humberto “existe uma boa relação entre as comunidades lusófonas”, já para Ana Santos, “estas convivem quando têm de conviver, embora muitos tentem integrar-se.”

Fátima diz que há “algumas desavenças, porque alguns portugueses pensam que são superiores a nós, mas no fundo entendemo-nos bem.”

João da Luz recua no tempo e lembra que nos anos 70 “cabo-verdianos e portugueses viviam juntos, numa relação de amizade, mas a partir dos anos 80, os retornados de África trouxeram esse ódio com eles e houve fortes fricções”. "Hoje, no desporto estamos todos juntos, mas nas manifestações culturais, cada um organiza as suas coisas e, tecnicamente, não há lusofonia”, lamenta João.

Nelson defende que devia haver “mais união, porque as nossas culturas têm muitas semelhanças, o português é língua oficial [de Cabo Verde], somos todos emigrantes e é mais fácil enfrentarmos os problemas juntos.”

“O FC Amílcar Cabral entrou no campeonato português do Luxemburgo em 1981 e isso mostra que sempre houve laços. Mas, por outro lado, nesse campeonato não há equipas guineenses, brasileiras ou angolanas”, nota Piduca.

Firmino lembra como nos anos 70, "éramos conhecidos aqui todos como portugueses", nessa altura, lembra, "não se falava de cabo-verdianos”.

E para dar o exemplo da interculturalidade, Firmino cita a sua própria associação: "a Amizade Cabo Verde-Luxemburgo ensina francês e luxemburguês a guineenses, portugueses, brasileiros, angolanos, são-tomenses e não só a cabo-verdianos. Temos trabalhado sempre juntos”.

Henrique de Burgo

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Viver na ilegalidade – retratos da comunidade brasileira no Luxemburgo


O Luxemburgo tem sido o destino de muitos brasileiros nas últimas duas décadas. Chegam do outro lado do oceano cheios de sonhos, à procura de uma vida melhor e poucos são aqueles que conseguem realizar os seus objectivos. A maioria vive na ilegalidade e sofre um isolamento muitas vezes ditado pela barreira da língua e pelas diferenças culturais. Mas há também "estórias" de sucesso, de pessoas que hoje são figuras de referência dentro e fora da comunidade brasileira.

Fábio de Carvalho, 29 anos, foi deportado ontem, dia 16 de Março, para o Brasil. O seu pedido de legalização foi recusado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros luxemburguês. Depois de cinco anos a trabalhar ilegalmente, Fábio encontrou no seu último emprego no Luxemburgo um patrão disposto a ajudá-lo a conseguir a legalização. O patrão fez-lhe um contrato de trabalho, e correspondendo aos requisitos do ministério, escreveu uma carta de recomendação, dizendo que a contribuição do Fábio era essencial para a produção da empresa. A resposta do ministério chegou dois meses depois. O pedido foi recusado porque "faltavam documentos" e "alguns carimbos". Pelo caminho ficou o dinheiro gasto na tradução oficial de documentos como o certificado de habilitações e a sensação de ser vítima de uma injustiça.

A carta não dava um prazo para o Fábio sair do Luxemburgo. O jovem decide apresentar-se na polícia de livre vontade. Uma vez chegado, informou as autoridades que ia comprar um bilhete para o Brasil para abandonar o território luxemburguês. A partida para a sua terra natal no estado de Santa Catarina, no Brasil, aconteceu ontem.

"A gente trabalha com um objectivo, com um sonho de adquirir as nossas coisas, para poder estabilizar a vida no Brasil. Mas a vida no Luxemburgo está difícil e não deu certo."

Anos antes de chegar ao Luxemburgo, o sonho de Fábio era viver e trabalhar em Inglaterra. Por quatro vezes tentou entrar no país. Por quatro vezes foi deportado. "A minha história começou no fim de 2001. Tentei um visto para o Canadá. Não consegui. Tentei para os Estados Unidos, foi negado. Na fila da embaixada dos EUA (n.d.r.: no Brasil) conheci uma senhora que tinha um familiar na Suíça. Decidi tentar. Poupei dinheiro e comprei um bilhete de avião. A Suíça é o pior dos países em termos de controlo." Um dia, ao sair do trabalho, é abordado por dois polícias à paisana, que lhe pediram os documentos. Daí seguiu directamente para a prisão. "Tiraram o meu telemóvel, a minha chave de casa. Eu não dei a morada certa mas através do código da chave descobriram o meu endereço. Fiquei três dias preso numa cela. Sentia-me um bandido!" Em Janeiro de 2003, Fábio vê-se de novo no Brasil, onde ficou quase dois anos. Incapaz de ser adaptar e com saudades da Europa, entra no Velho Continente pela França em Junho de 2003. O objectivo é Inglaterra, mais uma vez. "Comprei o bilhete de avião, cheguei lá e não me deixaram entrar. Voltei no mesmo dia, no mesmo voo." Ao fim de um ano e meio o sonho da Europa era um apelo cada vez mais forte. "A minha mãe vendeu o carro para eu poder voltar para a Europa. Isso foi em Junho de 2005 e a ideia era entrar em Inglaterra através de França." Mais uma vez ficou pelo caminho. A precisar de dinheiro, decide ligar a um amigo no Luxemburgo.

"Ele falou com o patrão dele que disse que me dava emprego. Cheguei ao Luxemburgo em Agosto de 2005. Comecei a trabalhar numa empresa de mármores. Foi aqui que acabei com as minhas costas. Estava a ganhar 500 euros por mês durante os primeiros seis meses, nos últimos meses passei a 700 euros e no último mês aumentaram-me para 1.100 euros."

"Dei entrada com os papéis porque já estava cansado de estar na mão de um, e de outro". Foi enganado muitas vezes pelos patrões, ora não sendo pago, ora recebendo menos do que estava acordado. "Comecei a pensar no meu futuro, que podia fazer a universidade no Brasil na área que eu gosto, que é a informática."

Quando lhe perguntamos se sente injustiçado ao ver o seu pedido de legalização recusado, Fábio não esconde uma certa revolta: "Acho que me sinto injustiçado por todos os Brasileiros que são honestos, e que é gente que trabalha, enquanto outros que estão a receber o subsídio de desemprego fazem trabalhos por fora, dobrando o salário. Isto é desonesto. Eu vim para trabalhar e eles negam-me os papéis! E o objectivo que eu tinha de uma vida melhor foi por água abaixo."

Mesmo antes de receber a decisão do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Fábio já pensava regressar ao Brasil. Cansado de oito anos de ilegalidade, a carta do Ministério veio acelerar o desenrolar dos acontecimentos: "Estou cansado de ser pisado. Foram oito anos tentando. Não deu, olha, vou tirar o curso de Informática, que me dou muito bem com os computadores", conclui.


CASAMENTO COM LUXEMBURGUÊS

Vânia Rodios
Vânia Rodios vive no Luxemburgo há quase dez anos. A decisão de abandonar o Brasil foi motivada por um acontecimento trágico na sua vida." A razão principal que me levou a deixar o Brasil foi a morte do meu filho. Eu fiquei muito traumatizada. Ele morreu de acidente e aquilo tudo abalou-me muito. Um rapaz de 21 anos, recém-casado há cinco meses... Eu ia ficando doida. Naquela altura não conseguia viver no Brasil, até porque para ir para o trabalho eu tinha que passar no local do acidente. Foi horrível. Faz dez anos que o meu filho morreu e ainda hoje eu choro."

Chegou à Alemanha, onde uma amiga a esperava. Quando foi controlada na alfândega do aeroporto receava ser mandada para trás. "Havia um convite e o dinheiro era nenhum! Havia só cara e coragem. Foi a minha amiga quem me disse que na Alemanha havia muito controlo e quem me aconselhou a tentar encontrar um trabalho no Luxemburgo."

Vânia conta que até foi fácil encontrar emprego no Luxembrugo: "No meio dos portugueses, de tantos restaurantes de portugueses, consegui logo um emprego com um patrão muito bom e lá fiquei durante dois anos. Comecei a trabalhar num sábado; no domingo começaram as comunhões. Eu fiquei numa situação muito má: no Brasil era vendedora e nunca tinha trabalhado com uma máquina de loiça! Eu não sabia o que fazer com tanta coisa, com tanta loiça! Eu não conseguia despachar-me! Só saí desse emprego porque o patrão vendeu o restaurante. Depois fui trabalhar para o norte, para Vianden, onde trabalhei para um Luxemburguês. Foi nessa altura que aprendi um bocado de Alemão. Depois fui para outro patrão que não me pagou."

Considera-se uma mulher forte e determinada, mas não deixa de reconhecer que a vida na ilegalidade comporta algumas dificuldades: "Tirando o medo, a maior dificuldade era querer ter mais liberdade. Eu estive doente da mão e tive de ir receber cuidados médicos. Quando fui à Segurança Social para entregar os papéis – porque eu tinha de pagar tudo – eles ficavam logo com o meu passaporte porque não tinha número de Segurança Social. Eu pagava, deixava o endereço de uma amiga Portuguesa – não deixava o meu porque tinha medo que fossem lá bater! Eu paguei logo todas as despesas e passados uns meses recebo uma nova factura para pagar. Fui lá de novo com a minha amiga e disse que tinha pago tudo na hora e que até tinham ficado com o meu passaporte, mas explicaram-me que como não tinha Segurança Social tinha de pagar duas vezes: tem que pagar uma vez ao médico e outra à segurança social (n.d.r.: Caisse de Maladie). Tive de pagar os tratamentos, as radiografias, os medicamentos. A minha sorte era que trabalhava para um patrão muito bom. O médico proibiu-me de trabalhar durante um mês e ele pagou-me à mesma."

Mas Vânia também conhece o reverso da medalha: "Um patrão não pagava e eu não tive como reclamar porque ele aproveitou-se do facto de eu não ter papéis." Diz que sempre utilizou a determinação que a caracteriza em seu favor: "Sempre tive a ideia de estudar as línguas e de me integrar no país. Comecei a estudar Alemão e fiz inclusivamente dois cursos em Trier."

Em 2005, quando já ponderava regressar ao Brasil, conhece um Luxemburguês com um sonho muito particular. Uma amiga sua diz-lhe que não deve voltar, que há um Luxemburguês que ela deve conhecer. "O sonho dele era casar com uma brasileira e viver no Brasil. Conhecemo-nos e fomos ao Brasil. Passados três meses estávamos casados. Eu conheci-o em Junho e em Outubro de 2005 estávamos casados." Apostada em integrar-se no país, Vânia conta que quer continuar a aperfeiçoar o seu conhecimento das línguas faladas no Luxemburgo: "E como eu não sei se volto para o Brasil, estou a pensar aprender Luxemburguês porque é preciso para pedir a nacionalidade".

Antes Vânia Rodios tinha a certeza que voltaria ao Brasil, hoje já não tem a certeza.


A CAPOEIRA

Pelézinho
Pelézinho, 36 anos, trabalha na Associação Abadá Capoeira e está há 10 anos no Luxemburgo. Chegou para o primeiro encontro de capoeira, e depois recebeu um convite para ficar: "Para mim o primeiro ano foi um choque cultural, a língua, e também o frio. Voltei para o Brasil e depois um amigo convidou-me para ficar um mês e dar umas aulas e acabei ficando. Foi em 2000."

Pelézinho conta que foram as dificuldades económicas que o levaram a deixar o Brasil: "No Brasil eu tinha um trabalho e trabalhava muito. Aqui trabalho e penso em ajudar a minha família. A verdade é que nunca imaginei que a capoeira fosse tão bem aceite e hoje não sei quando voltarei para o Brasil. O que mais me faz ficar aqui é o trabalho, que eu gosto. Acho que se fizer outro trabalho noutro país é uma parte de mim que vai embora."

O trabalho que desenvolve no Luxemburgo fez de si uma pessoa bem integrada na sociedade e é com alegria que fala dos seus projectos: "Tenho um trabalho grande aqui no Luxemburgo. Agora tenho um trabalho com o Ministério da Educação (n.d.r.: a Associação Abadá Capoeira). Faço um trabalho em seis liceus luxemburgueses e na prisão para a recuperação de menores que têm problemas com a droga. Trabalho ainda em três casas de jovens no Luxemburgo." Reconhece que se deparou com alguns obstáculos para conseguir a legalização: "Eu tive dificuldade com os papéis, mas nunca pensei casar por isso ou fazer uma coisa errada. Há um ano e meio que estou legalizado. No Ministério dos Negócios Estrangeiros mostrei todos os projectos em que estou envolvido e é fácil para os políticos verem que eu faço um trabalho importante."

Para Pelézinho o maior obstáculo que os brasileiros sentem quando chegam ao Luxemburgo é falta de informação e a falta de apoio e explica como a capoeira pode servir como forma de integração: "Com a capoeira não tem essa questão da cor, da nacionalidade. A capoeira é aberta para todo o mundo, é um meio de informação também. A parte da integração também, porque as pessoas chegam aqui, a um bom mercado de trabalho, mas sentem-se perdidas. As pessoas dos outros países encontram-se, comunicam, falam e através da capoeira muitas pessoas começam a viver melhor. A Abada Capoeira estabeleceu uma comunidade no Luxemburgo com quase 400 membros."

Reconhece que nos primeiros tempos "viveu no medo" e aplaude quem não desiste de se legalizar no país: "Eu bato palmas para as pessoas que foram obrigadas a ir embora e que voltaram e se conseguiram legalizar. Você sabe, porque nós nos nossos países já vivemos num desafio. Acho que todo o mundo tem direito de querer trabalhar e querer vencer na vida."

Pelézinho está agradecido ao Luxemburgo pelas oportunidades que lhe foram dadas, mas reconhece que os luxemburgueses perdem muito em serem tão fechados: "Eu amo o Luxemburgo porque é o país onde eu me realizei, que me deu oportunidade de fazer um grande trabalho. Eu também falo isso às pessoas nas escolas, que imigraram para cá e que não gostam do país. Tem um lado muito difícil mas também tem um lado muito bom, o da oportunidade. Eu vejo os luxemburgueses que têm um lado muito fechado, mas que têm um coração enorme."


"JE SUIS BRÉSILIEN ET JE NE PARLE PAS FRANÇAIS"

Duda Oliveira
Duda Oliveira chegou a Bruxelas em 2002. Deixou o Brasil por razões profissionais: "Eu já não tinha para onde ir e como eu gosto dos desafios, de crescer, aqui era um maior desafio, por causa da questão da língua."

Conta que no seu primeiro dia de trabalho, ao dar a primeira aula na academia teve que se apresentar com um papel na mão. "Na frente de 30 pessoas, ao olhar para um papel que tinha na mão, disse 'Je m'appelle Duda Oliveira, je suis brésilien et je ne parle pas Français.' Todo o mundo riu porque achou que era brincadeira! Foi uma coisa que impressionou as pessoas, como é que um cara que não fala a língua chega aqui e põe o mundo todo a dançar. Eu nunca tive medo de aprender, se não sabia perguntava e as pessoas corrigiam-me."

Esteve um ano sem papéis: "Eu costumo dizer que quando a gente entrega os papéis aqui está no limbo, você está num local onde você não existe como pessoa. Depois quando a gente consegue a regularização parece que nos sai um peso de cima dos ombros."

As diferenças culturais podem vincar a sensação de isolamento da comunidade brasileira, mas Duda acredita que se devem usar essas diferenças para promover a integração: "Eu acredito que você precisa de ter raízes – as suas raízes são a sua referência de vida – mas você não precisa ficar plantado, você pode usar as suas raízes como referência para se dar bem melhor em muitos outros lugares. Mas quando eu vim para cá eu aproveitei toda essa cultura, a chance de conhecer sítios históricos que eu só conhecia de livros, a comunidade portuguesa, que é quem acolhe a gente aqui."

OITO MESES NA CADEIA SEM ACUSAÇÃO FORMAL

Manuel Macedo é o dono do Café Brasil, em Esch. Há 20 anos no Luxemburgo, é hoje em dia uma figura muito conhecida entre a comunidade brasileira. Diz a brincar que o seu café devia ser conhecido como a "Santa Casa da Misericórdia", tal é o número de brasileiros que o procuram em caso de necessidade. Manuel é filho de portugueses emigrantes no Brasil e originários de Trás-os-Montes: "Saí do Brasil com 17 anos e através da minha família tentei obter a minha documentação legal (n.d.r.: em Portugal) para viver no país. Quando eu vim para o Luxemburgo já não vim ilegal."

A sua intenção era ganhar dinheiro para voltar para o Brasil e abrir lá o seu negócio, mas diz que se foi "acostumando". "À medida que consegue as coisas, você vai mudando de ideias."

Quando chegou ao Luxemburgo, começou por viver em Beaufort. Teve vários trabalhos, desde ser jardineiro a trabalhar na construção civil, até adquirir o seu "comércio em 2002", o Café Brasil I, em Dudelange.

No Brasil, era feirante e vendia fruta. Mas com o alastrar da crise económica, "o negócio começou a cair muito, ficou muito ruim e a falta de trabalho levou-me a decidir ir para Portugal, onde tenho família." Foi lá que ouviu falar no Luxemburgo, "um país onde pagavam na hora."

Manuel conta como esteve oito meses na prisão, acusado pelas autoridades luxemburguesas de auxílio à imigração ilegal: "Em 2000, tinha uma emigração ilegal brasileira muito forte. Houve um controlo muito grande da polícia e eles fecharam o cerco à imigração brasileira e foi muita gente presa. Eu fui acusado de ter usado papéis falsos durante seis meses. Eu acho que eles não entendiam como eu podia ter papéis portugueses e brasileiros. Estive oito meses preso, acusado de tráfico de papéis. Tive um brasileiro que viveu comigo, que trouxe a mulher e a filha, e que tinha documentação falsa. Como ele viveu comigo, eles me acusaram de ter acobertado e de ser intermediário na emigração ilegal." Nunca foi levado a tribunal e ficou em prisão preventiva sem culpa formada. "Eles me libertaram porque não conseguiram provar nada. Arrumei um advogado para entrar com um recurso contra o Estado e eu perdi porque eles me acusaram de saber que eu não era totalmente inocente por ter abrigado na minha casa um imigrante ilegal."

Hoje reconhece que não voltaria para o Brasil, onde teria "que recomeçar tudo de novo".

"Hoje, já fica mais difícil. Tenho aqui a minha vida estabilizada, tranquila. Você trabalhando honestamente você consegue adquirir tudo aquilo que uma pessoa deseja. Ter casa, ter carro, ter a assistência médica que se tem aqui, isso tudo vale muito."

Irina Ferreira

(texto e fotos)


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Daniel Tesch: Cônsul Honorário do Brasil no Luxemburgo

Mulheres dominam comunidade brasileira

Daniel Tesch
Actualmente, vivem no Luxemburgo cerca de 5 mil brasileiros. Quem o diz, é Daniel Tesch, cônsul honorário do Brasil no Grão-Ducado, apoiando-se em números da Embaixada brasileira de Bruxelas, que por sua vez se baseia num estudo sociológico sobre a emigração canarinha na Europa de Luís Eduardo Pedroso, conselheiro geral na Embaixada do Brasil em Beirute (Líbano).

Daniel Tesch revela ao CONTACTO que "são sobretudo as mulheres que ficam, ao contrário dos homens que partem devido a problemas de in- tegração e dificuldade em arranjar trabalho".

"As mulheres casam-se e sentem-se mais felizes aqui do que no Brasil, que persiste em ser um país de índole machista, com uma forte dominação masculina, ao contrário daqui, onde se sentem valorizadas e melhor tratadas", explica o cônsul honorário.

Tesch não tem dúvidas que dos cinco mil brasileiros a viver no país, há uma maioria feminina. "A mulher brasileira procura casar-se com um europeu para poder aqui ficar", continua, assegurando "que não se trata de casos de prostituição, que é um fenómeno bastante marginal no Luxemburgo e que não envolve mais do que uma dezena de casos".

"A maioria trabalha nas limpezas ou na restauração e são geralmente mulheres com poucas qualificações", garante, lamentando que "ainda hoje, no Brasil a mulher tem pouco acesso à educação, devido à sua natureza machista em que por exemplo nas famílias mais humildes, é o rapaz que tem prioridade para ir estudar".

Baseando-se novamente no estudo sociológico de Luís Eduardo Pedroso, o cônsul afirma que dos cinco mil brasileiros a viver no Grão-Ducado, 99% encontram-se em situação ilegal. Daniel Tesch considera o número exagerado, mas não o contesta.

Em relação aos homens brasileiros, estes deparam-se com grandes problemas em encontrar trabalho. "Até na construção civil, não conseguem singrar, porque para um patrão, um pedreiro brasileiro não é o mesmo que um pedreiro português". "Muitos acabam por voltar ao Brasil ou emigrar para outro país", refere Tesch.

O cônsul honorário sustenta que "a lusofonia tem sido factor de integração da comunidade brasileira no Luxemburgo. Há imensos brasileiros a frequentar cafés portugueses e os casamentos com lusodescendentes e até cabo-verdianos são frequentes".

Em relação à aprendizagem do francês, para não falar do luxemburguês, a história é outra. "Aqui, depende sobretudo do nível social de cada um, isto é, os que não têm habilitações literárias têm imensa dificuldade na aprendizagem de uma língua estrangeira", refere Daniel Tesch.

"No Brasil, há imensa gente que não concebe que se possa falar duas línguas diferentes, ou seja, não têm noção do bilinguismo".

No que se refere ao movimento associativo brasileiro no Grão-Ducado, o cônsul honorário nota que não há grande colaboração entre as comunidades portuguesa e brasileira, "porque os brasileiros são bastante patrióticos, têm um sentido de nacionalidade bastante forte, sobretudo neste momento em que o país atravessa uma boa fase".

Actualmente, os brasileiros "estão a descobrir uma nova identidade e um novo orgulho, ao contrário de antigamente, quando andavam de crise em crise".

"Além disso, vêm aí dois eventos maiores organizados pelo Brasil: os Jogos Olímpicos e o Mundial de Futebol", acrescenta Tesch.

Daniel Tesch estima que existam uma mão cheia de associações canarinhas no Luxemburgo, duas ou três de cariz cultural que vão estar presentes no Festival das Migrações (que decorre este fim-de-semana na Luxexpo, ver também págs 2 e 3).

Sabe ainda que existe uma associação de profissionais brasileiros no Luxemburgo e ainda outra que se ocupa do stand canarinho durante o Bazar Internacional que decorre anualmente na Luxexpo.

GÉNESE DA EMIGRAÇÃO BRASILEIRA PARA O LUXEMBURGO

"Um dos cônsules honorários que me antecedeu, falava que já antes dos anos 80 havia cerca de meia dúzia de brasileiros no Grão-Ducado, essencialmente mulheres que se casaram com luxemburgueses", adianta Daniel Tesch.

A primeira fase de emigração com um contrato de trabalho, deu-se no início dos anos oitenta quando a empresa luxemburguesa de satélites SES decidiu contratar engenheiros brasileiros especializados em tecnologia de satélites, na altura da ditadura militar brasileira.

"A empresa ainda hoje tem empregados brasileiros", garante Tesch, enumerando outras empresas como ArcelorMittal, e alguns bancos brasileiros que se dedicam ao private banking no Luxemburgo, que também atraíram brasileiros.

"Já a emigração em massa para o Grão-Ducado, é recente e deu-se a partir dos anos noventa, vinda principalmente dos estados de Góias e Baía", sublinha o cônsul.

Embora não sendo Estados muito ricos não são tão pobres como por exemplo o Nordeste do Brasil.

"Por isso, não se trata de uma emigração economicista, mas sim oportunista que quer fazer fortuna além fronteiras", considera o cônsul.

Nuno Costa

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A imigração da Guiné-Bissau para o Luxemburgo parece seguir o mesmo périplo de outras provenientes das ex-colónias portuguesas

Guineenses: uma comunidade em crescimento


A Guiné-Bissau também tem alguns dos seus filhos no Grão-Ducado. Trata-se de uma imigração, que parece seguir maioritariamente o mesmo périplo de outras provenientes das ex-colónias portuguesas africanas: partem de África até Portugal e de lá seguem rumo, já com a nacionalidade portuguesa, até outros países europeus, como o Luxemburgo.

Segundo números oficiais fornecidos pelo Sesopi-Centro Intercomunitário baseados nos números oficiais do Registo Geral de Pessoas Fisicas do Estado, existem 62 individuos de nacionalidade guineense que vivem actualmente no Luxemburgo. No entanto, e essa continua a ser a grande dificuldade para se apurar os verdadeiros números da comunidade, muitos guineenses chegam ao Grão-Ducado como portugueses, apesar de se assumirem como guineenses “de corpo e alma” e de desenvolverem no Luxemburgo uma atitude de acordo com o país africano.

Mesmo a Embaixada da Guiné-Bissau em Bruxelas, contactada pelo CONTACTO, não sabe dar números oficiais relativamente ao número de guineenses no Luxemburgo, apesar de tratar de todos os papéis administrativos dos guineenses emigrados.

Abel Sequeira (Foto: GV)
Abel Sequeira, português de origem guineense e actual treinador-adjunto do Sporting de Steinfort, chegou ao Luxemburgo vindo de Portugal há 26 anos (1984) numa altura em que não havia “guineenses no Luxemburgo, apenas uma grande comunidade portuguesa e, a nível de africanos, uma já significativa de origem cabo-verdiana”, conta.

Nessa altura, “trabalho não faltava e as condições de acolhimento no Luxemburgo eram boas, sem grandes barreiras”.

Realidade que acaba por tropeçar com esta nova imigração de guineenses que se começou a instalar no Grão-Ducado há cerca ce 14 anos (meados dos anos 90), realçando-se mais uma vez, vinda maioritariamente de Portugal, segundo apurou o CONTACTO durante a presente reportagem. A língua, a habitação, mas também as dificuldades do sistema de ensino luxemburguês, são algumas das dificuldades apontadas pelos membros da comunidade com quem o CONTACTO falou, alguns preferindo guardar o anonimato.

Diariamente, muitos jovens de origem guineense apanham o comboio para passar a fronteira belga para que possam seguir os seus estudos em língua francesa, visto que no Luxemburgo torna-se complicado com o sistema de ensino actual”, diz Maria Gomes, a jovem presidente da Associação Luso-guineense Bissau-Lanta no Luxemburgo.

Junta-se igualmente a tradicional questão das condições da habitação, que “infelizmente, na maior parte das vezes, é muito cara relativamente à qualidade e as condições oferecidas minimas para se viver dignamente”, afirma a jovem.

Para muitos jovens, a vontade começa a ser de se fixarem no Luxemburgo, sem a ambição de voltar para a Guiné, país que muitos deles nem conhecem. No entanto, há ainda uma franja de jovens, como é o caso da Maria Gomes, que vêem o Luxemburgo como um local de passagem, “onde obterão todo o tipo de formação e experiência para que possam voltar, o mais depressa possível, para a Guiné onde poderão ajudar o país do coração, com esses mesmos conhecimentos, a afirmar-se cada vez mais”, afirma a jovem.

ASSOCIATIVISMO E FALTA DE DIÁLOGO

Chegados ao Luxemburgo, os “imigrantes de origem guineense procuram referências do seu país de origem que se revelam importantes para que a integração no país de acolhimento se possa fazer", adianta ainda Maria Gomes.

Desde há alguns anos, a Associação Luso-Guineense Bissau Lanta no Luxemburgo tenta levar a cabo uma acção associativa, sobretudo com jovens de várias comunidades além da guineense, para que a integração se possa fazer sem entraves, explica-nos a reponsável. No entanto, a falta de um local para a associação assim como a “falta de participação de membros activos”, levam a que apenas um punhado de pessoas participem activamente em acções que vão nesse sentido.

Victor-Hugo Monteiro “discorda dos métodos de trabalho” da associação Bissau-Lanta, mas não critica. De origem guineense, criou oficialmente em 2009 com alguns guineenses e angolanos, a Associação dos Angolanos e Guineenses no Luxemburgo, para “reavivar as reivindicações da comunidade relativamente a fraquezas estruturais do Luxemburgo, sobretudo em termos de habitação, ensino e acessibilidades linguísticas, nomeadamente cursos de línguas de francês, o idioma de integração dos guineenses no Luxemburgo”, conta.

Victor-Hugo Monteiro
Os dois dirigentes associativos rejeitam a palavra “rivalidade”, preferindo a “complementariedade de actividades”. Acreditam igualmente que falta actualmente um serviço associativo, devido a barreiras exteriores, que possa satisfazer todos os pedidos e ambições dos guineenses que chegam ao Luxemburgo. E não descartam a hipótese de unirem esforços e de fusionarem para que possam atingir melhores resultados.

Dentro da comunidade, existe ainda um outro tipo de encontros com requintes associativos, que se reune no café da Dona Fátima, como os guineenses gostam de chamar ao local de encontro no bairro da Gare, e onde se fala da Guiné, dos problemas de cada um, onde se debatem informalmente o dia-à-dia no Luxemburgo e muitas outras coisas à volta de um café ou de uma cerveja.

Chegado muito recentemente ao Luxemburgo, Saido Baldé encontra nessas reuniões um momento para desabafar o que vai bem, mas também o que vai mal.

Não se identifica-se com nenhuma associação de origem guineense que milita no Luxemburgo, preferindo esta forma de discussão mais informal “sem compromissos”.

DOIS PAISES, UM HERÓI

Também na “Epicerie Créole", em Bonnevoie, cabo-verdianos e guineenses reúnem-se regularmente para debaterem as questões que afectam as duas comunidades”.

Quem o diz é João da Luz, uma referência associativa que participa em pelo menos duas grandes associações caboverdianas. Acrescenta também que a “referência de Amilcar Cabral, homem que liderou as forças que enfrentaram o regime politico português durante a guerra colonial pela libertação de Cabo Verde e da Guiné, aproxima as duas comunidades no Grão-Ducado e permite que a relação, também associativa, seja boa”, explica.

Com a comunidade portuguesa, existem alguns projectos comuns, admitem os dirigentes associativos guineenses, inclusive alguns ligados ao resenceamento dos guineenses que vivem no Luxemburgo, de maneira a que se possa chegar a um número fiável nesse aspecto.

O Centro de Apoio Social e Assocaitivo (CASA), consciente dessa mesma dificuldade, no seguimento de um encontro com a Embaixada da Guiné-Bissau em Bruxelas lançou há cerca de ano e meio a primeira iniciativa para uma acção de pesquisa, juntamente com a Associação Bissau-Lanta, de maneira a que se possam chegar a um número correcto de guineenses que habitam no Luxemburgo.

Mas outras colaborações se seguiram com estas e outras associções, mostrando as aberturas associativas bilaterais entre a comunidade guineense e outras comunidades. Uma atitude de convívio exterior que muitas vezes colide com o ambiente interno da própria comunidade.

Carlos Dias
Carlos Dias, português de origem guineense que vive no Luxemburgo já há alguns anos, tem a percepção que “falta diálogo, tolerância de uns em relação aos outros dentro da comunidade guineense".

"Uma das razões deve-se à existência de muitas etnias guineenses, que têm por vezes ideias diferentes umas das outras, o que tem prejudicado, e muito, todo o trabalho de integração da nossa comunidade”, explica. Opinião partilhada por muitos outros membros da comunidade com quem o CONTACTO teve a oportunidade de falar. Segundo os mesmos, o movimento associativo tem uma palavra forte a dizer neste sentido e é necessário que se torne uma referência para os guineenses de maneira a que estes se possam reunir em torno de ideias comuns e possam avançar de mãos dadas no sentido da integração.

Gualter Veríssimo
(texto e fotos)

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Imigração angolana no Luxemburgo é recente comparada com a portuguesa ou a cabo-verdiana

Angolanos imigraram
para fugir à "maldita guerra"

Sempre com o coração em Angola, que para muitos acaba por ser um país já longínquo, os imigrantes angolanos” que residem no Luxemburgo vivem espartilhados entre as recordações e costumes do seu país natal, das boas ou más experiências sentidas em Portugal e a realidade, por vezes cortante, como o frio do Luxemburgo, este pedaço de terra que os acolhe.

Trata-se de uma imigração recente no Luxemburgo, comparada com a portuguesa ou a cabo-verdiana, que partiu de Angola sobretudo devido aos momentos de conflito.

“A maldita guerra que nos obrigou a deixar o nosso tão bem amado país”, dizem-nos alguns dos angolanos com quem falámos.

Tatiana, Luísa e Raissa Teixeira
O percurso acaba sempre por ser o mesmo: partir de Angola em direcção a Portugal, “país irmão com quem temos laços históricos e onde, também nos sentimos bem”, conta-nos Luísa Teixeira radicada no Luxemburgo desde 1997.

No entanto, chegados a Portugal, muitas vezes a cor da pele e as feridas, muitas delas ainda abertas, do passado histórico colonial, levam a que aqueles mesmos “angolanos irmãos” sejam considerados “retornados” e provavelmente “empecilhos” dentro de toda a harmonia e coesão social de um Portugal dito moderno, lamenta. No entanto, uma das primeiras preocupações desses “imigrantes” é o de adquirir a nacionalidade portuguesa, muitas vezes fácil e legalmente, porque deram à luz crianças que têm sangue português.

Ter a nacionalidade portuguesa “abre portas se um dia se quer partir para outras aventuras”, quando as barreiras lusas forem muitas.

Muitos deles, “puxados por familiares ou amigos”, partem até ao “eldorado da Europa”, o Luxemburgo, para tentarem uma vida melhor.

AS BARREIRAS DO LUXEMBURGO

Chegados ao Luxemburgo, muitos são recebidos por familiares ou amigos, os mesmos que lhe falaram do Luxemburgo. No entanto, são os mesmos que vivem as dificuldades e as barreiras do Grão-Ducado.

Ana Monteiro
“A língua foi a principal dificuldade para mim”, conta Ana Monteiro, angolana nascida em Benguela, mas portuguesa de nacionalidade, que trocou Portugal por Angola e que chegou ao Luxemburgo em 2007. Mas há outras barreiras, como a habitação “excessivamente cara, sem condições para acolher as famílias numerosas”, assim como o trabalho que na maior parte dos casos resume-se a "contratos temporários sem certezas algumas”.

Mas também há o reverso da medalha, de portugueses de origem angolana que no Luxemburgo residem e trabalham e que se sentem bem integrados, sem grandes complicações, sobretudo quando as segundas gerações, nascidas entretanto no Luxemburgo, já quase se integram naturalmente no país que também é o seu.

Raissa Teixeira tem 11 anos e fala as três línguas oficiais do país. Mas também o português, que a sua mãe de origem angolana teima em perpetuar na casa onde vivem. Angola é para a menina um país sempre presente apesar de nunca ter estado lá. Por ouro lado, a sua irmã Tatiana, de 22 anos, futura licenciada na área do Turismo, conhece bem Angola porque já visitou o país. Aquele mesmo país que vive paredes meias na casa onde vivem, construída com pedras do Luxemburgo, mas recheada de pedaços de Angola que não deixam esquecer o país. Os costumes, a gastronomia, os hábitos, a “saudade” estão constantemente presentes na vida dos “angolanos no Luxemburgo, porque aquele bichinho de Angola está sempre a roer no nosso íntimo”.

E esta corrente tende a continuar: “Quando um dia tiver uma família, os meus filhos também terão as mesmas referências que a minha mãe me transmitiu, pois são as minhas origens”, afirma a jovem Tatiana. Uma realidade que partilha com alguns jovens como ela. Afirma que “é difícil encontrar jovens de origem angolana no Luxemburgo, relativamente a outras comunidades como a portuguesa ou a cabo-verdiana. No entanto, lá se vai encontrando uns aqui e ali que vivem sobretudo no sul do país.

"Temos um bom grupo e os problemas que temos são iguais, na maior parte das vezes, a todos os jovens que vivem no Luxemburgo. Mas uma coisa é certa: nenhum de nós nega as suas origens e falamos muito de Angola” diz.

ASSOCIAÇÕES  E CONSULADO PRECISAM-SE!

Chegados ao Luxemburgo, as poucas associações angolanas que existem correspondem proporcionalmente ao número de membros de Angola no país.

Segundo dados oficiais transmitidos ao CONTACTO por Gaspar Florêncio, adido de imprensa da Embaixada Angolana em Bruxelas, “se na Holanda existem 6.000 angolanos e se na Bélgica cerca de 8.000, no Luxemburgo estão contabilizados 100 indivíduos de nacionalidade angolana”, diz. Mas se queremos ter dados mais concretos, e segundo o Sesopi-Centro Intercomunitário baseado nos números oficiais do Registo Geral das Pessoas Físicas do Estado, chegamos a um total de 67 angolanos.

Segundo a Associação dos Angolanos e Guineenses no Luxemburgo, esse número poderá chegar oficiosamente até aos 500, atendendo que existem muitos angolanos que adquiriram a nacionalidade portuguesa entretanto.

“E estas realidades fazem a diferença, quando se pretende ter números concretos em relação à comunidade”, ressalva.

Existem poucas associações no Luxemburgo de origem angolana, havendo a registar a AANA-Associação dos Amigos e Naturais de Angola e muito recentemente a Associação dos Angolanos e Guineenses no Luxemburgo. O objectivo é o mesmo: permitir a integração dos angolanos no Luxemburgo através de acções que permitam debelar algumas barreiras que possam ainda existir, nomeadamente na questão da habitação, língua, escolar, e outros.

Victor Hugo Monteiro, presidente da Associação dos Angolanos e Guineenses no Luxemburgo, garante que “as relações com as outras comunidades lusófonas, seja a portuguesa, a guineense, a cabo-verdiana e outras são excelentes e as colaborações também se começam a fazer, porque afinal acabamos por ser povos irmãos”, diz.

Em termos reais, uma das grandes ambições da comunidade seria de ter uma representação consular angolana no Luxemburgo, porque actualmente para se tratar de qualquer documento, é necessário ir a Bruxelas. Reivindicação confirmada pela Embaixada Angolana em Bruxelas, mas que segunda a mesma, “ainda não se justifica tal serviço no Luxemburgo atendendo ao fraco número de angolanos no Grão-Ducado”.

IMIGRAÇÃO A DUAS VELOCIDADES


Os imigrantes de origem angolana que habitam no Luxemburgo reflectem duas grandes realidades: aqueles que nasceram em Angola, que depois passaram a ser portugueses e que migram para o Luxemburgo; ou aqueles que são angolanos de nacionalidade e que pediram asilo político, pelas mais diversas razões.

Iduino Jesus Paixão
Iduino Jesus Paixão, nascido em Cabinda, Angola, foi obrigado a integrar as fileiras do exército do FLEC no conflito no enclave de Cabinda.

“Tinha 14 anos e levava uma vida muito dura em terras angolanas e mesmo no exterior”, confessa. Cansado dessa vida, desertou e pediu asilo político ao Luxemburgo, tendo obtido “com muito custo o estatuto de refugiado”.

Durante esse período de regularização, Iduino viveu durante uns meses no centro de Refugiados St Antoine da Caritas-Cruz Vermelha Luxemburguesa, na route d’Arlon, na cidade do Luxemburgo.

Estávamos em 2005 quando um grupo de 10 crianças chegaram ao Luxemburgo vindas de Angola, sem papéis nem família. Segundo responsáveis da Caritas, “de entre essas crianças havia quatro irmãos que nunca conseguiram explicar porque vieram, quem os mandou, como fizeram para chegar ao Luxemburgo".

"Eram crianças que se fechavam se falávamos sobre essas questões. Nem sequer diziam se tinha família e ainda hoje nada sabemos”, explicam-nos na Caritas.

Iduino foi oficiosamente nomeado para acompanhar essas crianças, visto que era angolano e viveu, provavelmente, os mesmos problemas que essas crianças. Actualmente, todos os jovens vivem num centro de acolhimento da Caritas, em Rumelange, havendo mesmo outros que seguem uma formação profissional para trabalharem no Luxemburgo.

Segundo números oficiais do Ministério da Imigração, em 2008 nenhum pedido de asilo de Angola foi feito ao Luxemburgo. Em 2009, apenas um pedido deu entrada.

Faruk Licina, responsável do serviço de acolhimento da Caritas “Form’actif”, assim como Cristina Lopes, educadora, confirmam ao CONTACTO que “é raro terem refugiados vindos de Angola", e relembram que excepcionalmente há alguns anos tiveram realmente alguns meninos que chegaram de Angola e que, actualmente, continuam a acompanhar num centro para jovens refugiados Rumelange”.

Iduino Paixão, refugiado político, considera que há uma grande diferença entre aqueles que chegaram ao Luxemburgo vindos de Portugal e os outros que vêm directamente de Angola ou que são refugiados. Estes últimos, segundo Iduino, “são um pouco postos à parte por toda a gente, inclusive pelos outros angolanos que têm a vida estabilizada, com tudo em ordem". "Nós, refugiados angolanos, sentimo-nos por vezes um pouco abandonados por todos, e somos considerados angolanos de segunda classe”, desabafa".

Gualter Veríssimo
(texto e fotos)

A imigração angolana no Luxemburgo é recente comparada com a portuguesa ou a cabo-verdiana, e partiu de Angola sobretudo devido aos momentos de conflito (Foto: Paulo Lobo)