sábado, 18 de fevereiro de 2012

Luxemburgo: Consulado corta no aquecimento para "poupar custos"

Foto: P.T.A.
Funcionários subscreveram abaixo-assinado a queixar-se do frio

Os funcionários do Consulado de Portugal no Luxemburgo estão indignados. O Consulado decidiu cortar no aquecimento para reduzir os custos. Com as temperaturas negativas das últimas semanas, os funcionários queixam-se de não ter condições para trabalhar.

É assim desde o início do ano. À tarde, quando o Consulado fecha, os radiadores são postos no mínimo. O aquecimento só é reposto no dia seguinte, 16 horas depois, quando os funcionários entram ao serviço. Mas com as temperaturas negativas das últimas semanas, são precisas várias horas até a temperatura voltar ao normal.

Quem sofre são os funcionários e os utentes, que já se queixaram do frio que se sente dentro do edifício.
"Os funcionários do Consulado informaram-me que o aquecimento é reduzido e que volta a ser ligado no dia seguinte", explica o conselheiro das Comunidades no Luxemburgo, Eduardo Dias. "Isso leva a que no dia seguinte as pessoas tenham de suportar muito frio até que a temperatura volte a estar de novo adequada".

A situação levou mesmo os funcionários a subscrever um abaixo-assinado dirigido ao cônsul de Portugal no Luxemburgo. No documento, assinado por todos os funcionários, pede-se que o aquecimento central volte a estar ligado durante o período em que o Consulado está fechado, para evitar que os funcionários sejam obrigados "a usar cachecol e casaco" nas horas de expediente. No abaixo-assinado referem-se ainda as queixas dos utentes, que querem saber se o aquecimento está avariado.

Para Eduardo Dias, a medida é absurda e não representa sequer uma poupança efectiva de energia.
"A mim parece-me uma medida absolutamente ridícula. Se o termóstato estiver a uma temperatura constante, é melhor do que os sobressaltos de ligar e desligar. É preciso mais energia para voltar à temperatura adequada. Isto não vai corresponder a poupança nenhuma: é a consequência de um estado de espírito que quer levar a poupança a tal extremo que conduz ao ridículo", critica o conselheiro.

O caso já chegou ao secretário de Estado das Comunidades. Eduardo Dias aproveitou a visita de José Cesário ao Luxemburgo para pedir explicações sobre a situação laboral dos contratados locais (ver caixa) e também para "lhe dar conta do problema do aquecimento".

"O que o secretário de Estado nos disse é que não tinha conhecimento desta situação. Há ordens no sentido de se proceder a restrições, mas sem precisar. A decisão de reduzir o aquecimento, ou o que quer que seja, é local. No Luxemburgo desligam o aquecimento. Se calhar num sítio que seja quente reduzem o ar condicionado, como a ministra Assunção Cristas [que dispensou os funcionários de usar gravata para poder cortar no ar condicionado]. São medidas que atingem o ridículo", critica o conselheiro.

"LISBOA CORTA E MANDA CORTAR"

Ao CONTACTO, o vice-cônsul confirma a situação. E diz que é o próprio cônsul quem verifica se a medida é posta em prática.

"O senhor cônsul à hora de saída dá a volta ao edifício para reduzir o aquecimento. É da opinião que os manípulos devem ficar no mínimo, no símbolo da lua. Os funcionários acham que não chega, e alguns utentes também. Parte dos utentes que chegam com crianças também se manifestam e dizem que está frio", disse ao CONTACTO António Martins Antunes.

As ordens para cortar vêm de Lisboa. E não se limitam ao aquecimento.
"Não é novidade para ninguém que Lisboa corta e manda cortar. Nós tivemos de definir e comunicar algumas medidas de poupança. Como não temos nenhum consumo de luxo, não temos mais sítio nenhum onde cortar. Até a segurança já foi cortada. Deixámos de ter dinheiro para pagar ao segurança cinco dias por semana, porque a empresa não aceita receber menos. A solução encontrada foi passar a ter o segurança apenas quatro dias por semana", conta o vice-cônsul.

Mas é o corte do aquecimento que está a provocar o impasse entre os funcionários e o cônsul de Portugal no Luxemburgo. Mesmo depois do abaixo-assinado assinado por todos os trabalhadores, o cônsul de Portugal continua irredutível.

"Os funcionários continuam descontentes e o senhor cônsul continua a impor a poupança de energia", sintetiza Martins Antunes, para quem o corte no aquecimento veio agravar o descontentamento dos funcionários com as condições de trabalho (ver também caixa).

"O estado de espírito é negativo. No ano passado, saíram três funcionários, e até agora não entrou mais nenhum. Somos cada vez menos e a clientela é cada vez mais", lamenta o vice-cônsul. E a sangria de funcionários pode não ficar por aqui.

"Os funcionários mais novos andam na expectativa de sair, para conseguirem melhores condições de trabalho. E não é difícil, seja no plano remuneratório, seja no plano emocional", admite Martins Antunes.
O cônsul de Portugal no Luxemburgo, José Carvalho Meneses Rosa, não quis prestar declarações sobre o caso. 

Ministro do Trabalho luxemburguês pede explicações à Embaixada

O aquecimento não é o único problema dos funcionários do Consulado de Portugal no Luxemburgo. Os contratados locais não recebem as actualizações salariais desde Julho de 2010, mas sofreram os cortes salariais previstos no plano de austeridade português. Por lei, a entidade patronal é obrigada a pagar estas actualizações. Se o não fizer, pode sujeitar-se a um processo e ter de pagar uma multa até 25 mil euros, como o CONTACTO revelou em Janeiro do ano passado. E com os cortes e a falta de actualização, há salários abaixo do mínimo legal para trabalhadores qualificados.

Ilegalidades que já levaram o ministro do Trabalho e da Imigração do Luxemburgo, Nicolas Schmit, a pedir explicações ao Estado português, soube ontem o CONTACTO.

"O ministro do Trabalho disse muito claramente que se tratava de uma violação da legislação luxemburguesa em matéria de salário mínimo e de actualizações salariais, e chamou a Embaixada para pedir explicações", revela o conselheiro das Comunidades no Luxemburgo, Eduardo Dias. "Naturalmente, como não há a possibilidade de entrar no Consulado, o Estado luxemburguês optou pela via diplomática, e a Embaixada foi chamada a prestar esclarecimentos sobre esta matéria".

Para o conselheiro, a situação dos funcionários consulares dá má imagem ao país e prejudica as relações bilaterais entre os dois países. "Se o Estado português quer poder exigir que o Estado luxemburguês cumpra as disposições em matéria de cidadania, e que as câmaras, por exemplo, não entrem em situações de ilegalidade, recusando registar os cidadãos, não pode entrar ele próprio em situações de ilegalidade. Fica em muito má posição se ele próprio não cumprir e não respeitar a lei".

A situação dos funcionários consulares foi um dos pontos abordados no encontro que o conselheiro teve com José Cesário no sábado. "Esta situação tem de ser resolvida. Dissemo-lo ao secretário de Estado das Comunidades e reservamo-nos o direito de fazer o escândalo que for necessário. A única arma que nos resta é a denúncia. A legalidade tem de ser reposta sem retaliações aos funcionários que revelaram esta situação".

O conselheiro das Comunidades também está preocupado com a redução do pessoal e com a deterioração dos serviços consulares. No ano passado, o Consulado e a Embaixada de Portugal no Luxemburgo perderam seis funcionários, três só nos serviços consulares. E no início do ano os preços dos emolumentos aumentaram, nalguns casos para mais 150 %.

"O que é mais grave no Consulado é haver cada vez mais portugueses no Luxemburgo e haver cada vez menos pessoal para os atender", lamenta Eduardo Dias.

"Menos funcionários, o aumento dos preços dos actos consulares para números completamente absurdos, os contratados locais que não recebem as actualizações salariais, já são restrições imensas. Até por isso, parece-me que [o corte no aquecimento] se trata de uma medida absolutamente ridícula, que só agrava as condições de trabalho dos funcionários".

O CONTACTO tentou até à hora do fecho desta edição ouvir a Embaixada de Portugal no Luxemburgo.

Texto: Paula Telo Alves

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