domingo, 21 de março de 2010

Maria Augusta Esteves, emigrante no Luxemburgo desde 1955

Pioneira da imigração lusitana no Grão-Ducado, Maria Augusta Esteves teve um começo de vida difícil. Chegou ao Luxemburgo a 2 de Maio de 1955 (ver foto). Casadinha de fresco, trocou São Martinho de Dume (freguesia de Braga) por Esch/Alzette, onde o marido trabalhava, na então Arbed. Teve cinco filhos e foi das primeiras portuguesas a pedir a nacionalidade luxemburguesa. Enviuvou e naturalizou-se. Confessa que nunca lhe passou pela cabeça voltar a Portugal, pois é no Luxemburgo que se sente bem.

Completou recentemente 83 anos e já está há mais de meio século no Luxemburgo. Viveu os dois primeiros anos em Esch-sur-Alzette e radicou-se em Tétange até aos dias de hoje.

"Eu e uma senhora Ramos, que vive em Esch, fomos as primeiras portuguesas, actualmente vivas, a chegar ao Luxemburgo", começou por revelar.

"Mas a minha história é meio complicada. O meu falecido marido já cá estava há muito tempo, ainda solteiro. Emigrou com o pai para França e depois veio para o Luxemburgo trabalhar. Aqui casou com uma luxemburguesa que depois faleceu. Entretanto escreveu ao irmão que era meu vizinho, em São Martinho do Dume, freguesia de Braga, a pedir que este lhe arranjasse uma mulher portuguesa", explica.

"E foi assim que conheci o meu marido. Ele foi a Braga, namorámos pouco tempo, casámos e viemos para o Luxemburgo" lembra.

Quando chegou, enfrentou uma realidade diferente da que conhecia em Portugal. De início, a vida foi difícil e a adaptação ao novo quotidiano também.

"Quando aqui cheguei, a 2 de Maio de 1955, vivi dois anos em Esch/Alzette antes de me mudar para Tétange. Os portugueses eram raros e o contacto com as outras pessoas praticamente nenhum. O meu marido (Joaquim Fernandes Duarte) trabalhava na Arbed. Tive de criar três filhos do primeiro casamento do meu marido e depois mais cinco meus, quatro raparigas e um rapaz", explica.

"Nos primeiros meses, quando ia às compras, tinha de apontar com o dedo às coisas que queria porque não sabia a língua", lembra com uma gargalhada.

O INÍCIO DA CHEGADA DOS PORTUGUESES
Algum tempo depois de se estabelecer em Tétange, Maria Augusta mandou vir os irmãos para o Luxemburgo.

"O meu marido e um amigo dele conseguiram arranjar trabalho para os meus irmãos. Vieram todos para cá", lembra com saudade.

"Primeiro, tiveram que trabalhar no campo durante três anos. Era a lei antigamente. Para se permanecer definitivamente no país, tinham que passar três anos em trabalhos agrícolas e só depois poderiam ter acesso a outro tipo de empregos, se o patrão assinasse os papéis de autorização", explica.

Foi no início dos anos sessenta em que os portugueses começaram a chegar ao Grão-Ducado.

"A vida naquele tempo era dura", lembra. "Ajudei muitos portugueses quando eles começaram a chegar ao Luxemburgo. Arranjei casa e pensões para muitos. Como já sabia falar alguma coisa, cheguei a ir com eles para os ajudar naquilo que precisavam. Aqui era tudo diferente de Portugal".

"Um luxemburguês que eu encontrava regularmente na missa vinha-me trazer roupas para eu distribuir pelos portugueses. A minha casa parecia a Caritas", lembra.

"Eram meus conterrâneos, tinha de fazer alguma coisa por eles, não é?", recorda Maria Augusta. E continua. "O número de portugueses começou a aumentar a pouco e pouco e de vez em quando já se ouvia falar português na rua, sobretudo em alguns cafés onde a maioria se concentrava".

"Os portugueses são gente de trabalho e os luxemburgueses sabem disso. Se não fosse assim não vinham para cá, não é? Eles [portugueses] trabalharam muito para o Luxemburgo ser hoje o que é", refere.

Entretanto, a comunidade portuguesa foi crescendo, crescendo, e hoje já ultrapassou a fasquia dos 80.000.

"Às vezes, nas ruas da baixa de Esch, parece que estamos em Portugal, só se ouve falar português"... diz com um sorriso.

"Mas nestes últimos anos perdi muito o contacto com os portugueses. Exceptuando algumas pessoas de família, já não falo com ninguém", diz.

"Das muitas pessoas que conheci e ajudei, a grande maioria já se foi embora para Portugal ou morreu. Praticamente já só saio de casa para fazer compras, por isso o meu contacto com portugueses é muito esporádico. Além do mais, agora, já não conheço quase ninguém", sublinha.

Sobre a nova vaga de portugueses que continua a chegar ao Luxemburgo, exclama: "Já são muitos"...

Lembrando que a situação económica e social em Portugal é precária, Maria Augusta disparou: "Lá e um pouco por todo o lado", enfatiza.

"Mas eu compreendo. As pessoas têm que tentar melhorar as condições de vida e em Portugal as coisas estão mesmo complicadas. Infelizmente, nem todos têm sorte", lamenta. "Mesmo a vida no Luxemburgo já não é o que era", insiste.

"Hoje já não se arranja emprego com a facilidade de há uns anos e as dificuldades aumentaram para todos", lembra.

"Mas, apesar de tudo, a vida aqui tem outra qualidade e as pessoas, com maior ou menor dificuldade, acabam por fazer face à crise", lembra.

Luxemburguesa há 35 anos

Maria Augusta nunca trabalhou no Luxemburgo. Viúva há 35 anos, foi perdendo as raízes e o contacto com o país que a viu nascer.

"A última vez que estive em Portugal, foi na celebração das Bodas de Ouro do casamento do meu irmão Brás (já falecido), em Braga. Desde essa altura nunca mais lá regressei", revela.

"Nem sei se vou voltar mais alguma vez. Só lá tenho um irmão que trabalhou aqui e já está reformado. Tirando ele, não tenho família nem conheço ninguém. Com o passar dos anos fui perdendo o contacto com a minha terra. A família e os amigos vão desaparecendo e depois apenas ficam as lembranças", esclarece.

Depois da morte do marido ficou com os filhos a viver da reforma e optou pela nacionalidade luxemburguesa, há mais de trinta anos.

"Eu e as minhas três filhas mais velhas pedimos a nacionalidade luxemburguesa porque foi a melhor solução para todos. As vantagens eram grandes e, para quem já vivia há alguns anos no país, como eu, acabou por ser uma escolha natural", diz.

"Agora, este é o meu país. É aqui aqui que me sinto bem e vou ficar até morrer. Tenho cá os meus filhos – só um é que vive em Itália – e o que me resta da família. Portanto, vou acabar os meus dias no Luxemburgo", rematou Maria Augusta.

Á. Cruz

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