quinta-feira, 30 de julho de 2009

Editorial: "Boas Férias"

Verão, tempo de acordar os sonhos, de enfrentar recordações adormecidas dentro de nós, que nos deixaram à beira de horizontes indefinidos. Como se houvesse um desafio de grandeza que nos é feito, e que fomos sempre adiando. E que nos dói. Que nos deixa a amargura de sermos irrealizados, incompletos. De ficarmos aquém, como chora o desespero do poeta Sá-Carneiro. Não somos, somos "quase". Falta um pouco mais de Sol...

Nas longas tardes de Verão, quando o toque dos sinos das velhas igrejas ondula pelas searas e frutos dos campos da nossa infância, sentimo-nos meninos outra vez, com um amor de mãe a velar os nossos cuidados. Por isso é que os portugueses gostamos de ir de férias à nossa terra, ao encontro de nós mesmos. Somos eternos ausentes, porque nunca nos reencontramos.

Somos grandes de mais para este mundo. Somos humanos, espíritos infinitos numa condição finita. "Capax mundi, capax Dei" – feitos para conhecer a criação e conhecer a Deus. Mas prisioneiros do espaço e do tempo. Por isso em conflito permanente com o nosso vazio interior e a nossa ânsia de absoluto. Somos seres perpetuamente frustrados, incompletos, contraditórios, incapazes de cumprir a rota do nosso destino. Capelas imperfeitas! O traçado final levou-o o arquitecto para o céu. Nenhum ruído apaga os ecos da palavra criadora, do Génesis de todos os dias: "Faça-se". E vamos vivendo e fazendo, seres do tempo na raia da eternidade, onde os mistérios se encontram. Onde os poetas colhem as flores do paraíso e os santos falam com as árvores.

É por causa da imersão de Deus na humanidade de Jesus que sentimos esta angústia dilacerante de descodificar o efémero para descortinar o infinito. No poema "Selige Sehnsucht" ("O santo suspirar"), Goethe diz-nos como o amor de Deus pela sua obra se reflecte no amor que acalenta os nossos corações. Todo o nosso suspirar é suspirar pelo regresso a casa, a casa donde viemos, que é o berço do amor de Deus. "O mundo é, mas não se basta; grita pelo que lhe falta (...). Todos os dados nos mostram uma linha de fractura (...), a ferida da sua mutilação ontológica". Assim fala o nosso ibérico Ortega y Gasset.

Vivemos o tormento da insuficiência e dos planos falhados. Somos sinfonias incompletas, por agora. A música continuará na eternidade, mas sem a dor, que é o prazer-sofrer da nossa saudade.

Que este Verão seja a estação dos sonhos para todos, na brisa das serras, no murmúrio do mar – e nas orações perdidas e por nós encontradas nas romarias das nossas aldeias.

Pe Belmiro Narino

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